Viver em uma unidade rural - terreno, chácara, sítio, fazenda,
comunidade, ecovila... dê o nome que quiser - e tirar de lá o meu sustento.
Vejo um lugar com água limpa e abundante, terra fértil, floresta, pomar, horta,
roça, vacas, galinhas, minhocas, cogumelos, pessoas queridas... quanto mais
alta a fogueira, mais itens vão sendo adicionados a esse cenário, mas quando
falta lenha as brasas incandescentes guardam o cerne: viver no campo e do
campo.
Eu já tive breves experiências de viver no campo, no nosso
sitiozinho lá em Pedra Bela. Cresci lá e "depois de grande" morei lá
durante alguns meses, só eu e o Pajé, meu guardião negro de alma canina dourada
luminosa. Eita tempos bons! O pseudo silêncio da noite, com sua infinidade de
grilos e sapos; o ar fresco; a companhia das árvores e das montanhas. Mas eu
não vivia do campo... estava ali para estudar e investir no sonho...
Tempos depois tive uma breve experiência do que seria viver do campo, foi com a Sempre Viva
Orgânicos (se não conhece a história, veja aqui). Eu diria que foi uma "amostra grátis", embora tenha
passado longe de ser grátis, rs... mas o importante é que deu pra ter uma ideia
de como o campo é tratado pela cidade. É triste, acredite. O trabalho árduo de
quem se levanta antes do sol e passa o dia com as mãos na terra é muito pouco
recompensado... quem ganha dinheiro é quem está no escritório cercado de
celulares, computadores e números.
Não que o objetivo seja "ganhar dinheiro", mas a
remuneração de quem vive do campo está muito aquém do mínimo condizente com os
confortos que a cidade proporciona (mínimo, eu disse mínimo... não estou
falando de consumos supérfluos...). Talvez possamos fazer uma exceção aos
grandes latifundiários, que ganham dinheiro às custas de um modelo predatório,
moendo em seu engenho gente, terra, água, ar e veneno.
Outra constatação que deixa a fogueira dos meus sonhos à míngua é
quando me deparo com alguém que aparentemente vive do jeito que eu gostaria,
mas quando vou investigar acabo encontrando uma fonte externa de recursos,
invariavelmente vinda da cidade e quase que sempre na forma de um aluguel de
algum imóvel herdado da família. Isso sim é balde de água fria que faz a
fogueira virar fumaça (mas lembre-se, onde há fumaça, há fogo e essas brasas
taurinas são teimosas...).
E matuta que sou, fico matutando: o que está errado? O normal
seria o campo sustentar a cidade, e não o contrário! Não quero polarizar, não
quero fazer dois "times", mas com a falência de um, quem sobrevive?!
É claro que o campo precisa de muitas coisas vindas da cidade, ainda mais esse
campo, formado por exilados urbanos, mas no limite, no caos, no frigir dos
ovos, se tem alguém que sucumbe, esse alguém é a cidade!
Agora me diga, com o colapso das cidades, quem está no campo sendo
sustentado pela aglomeração urbana, fica como? Que tal voltar à cartilha e
rever o conceito de sustentabilidade?
Estou sendo apocalíptica, admito. Estou dizendo que as uvas estão
verdes, uma vez que não as posso colher (minhas uvas verdes são tanto a
fazendinha dos sonhos quanto o apartamento que a sustentaria...). Estou caindo
no fácil papel de avaliar, julgar e “resolver” a vida alheia...
Mas revolução não se faz com concessão. E eu só acredito na revolução,
porque o barco já está tão furado que não há remendo que dê jeito. Esse
pensamento me fez lembrar do meu querido professor de Educação Ambiental, que
também alertava pra importância de não cair na ilusão do “paraíso particular”,
essa coisa de ter uma terrinha, linda e perfeita como eu imagino, mas sem se
preocupar com a vizinhança. Uma hora o caos bate na sua porteira e no momento
seguinte ele fura sua cerca. Não tem como se isolar e realmente o caminho não é
por aí.
No meu sonho de viver no campo e do campo, além do pedaço de terra
que já descrevi brevemente, sonho com um campo forte, sonho com uma comunidade
unida, íntegra e de cabeça erguida, que não se curva a gravatas e paletós, que
não rasteja por moedas, aliás, que não rasteja por nada!
E se você, caro internauta, acha que não tem nada a ver com isso,
reveja seus valores, desligue-se um pouco da tomada e do wi-fi e conecte-se com
seu instinto de sobrevivência.
Um campo íntegro e forte pode socorrer uma cidade à beira da
falência. É de vital interesse do morador urbano que o morador rural esteja
cuidando adequadamente da produção de água e de alimentos; é de vital interesse
do morador urbano que o morador rural esteja cuidando adequadamente da
biodiversidade e do equilíbrio da teia da vida. Porque sem água, sem alimentos,
com espécies e habitats inteiros desaparecendo e uma dinâmica natural
completamente alterada, não tem computador que dê jeito, não tem dólar que
resolva.
A meu ver, a ação mais básica, simples e indolor que o morador
urbano pode fazer é consumir produtos orgânicos, tantos quanto possa
(alimentos, cosméticos, produtos de limpeza, roupas...). A filosofia da
produção de orgânicos fortalece o campo; o consumo de produtos orgânicos
valoriza o morador rural, deixando a relação campo-cidade num patamar mais
olho-no-olho - ninguém precisa abaixar a cabeça pra falar com o outro.
Quando quiser avançar um passo, pode passar a adquirir esses
produtos com cada vez menos intermediários, de preferência em feiras, empórios
comunitários, cooperativas. Lembre-se que o Pão de Açúcar garfa grande parte do
que você paga pela bandejinha de tomates orgânicos... (mas mesmo assim é muito
melhor do que comprar o convencional, não desanime!).
Outra prática saudável é conhecer o campo! Fazer turismo rural,
gastar seu dinheirinho em estabelecimentos familiares, comprar artesanato,
comprar o queijo da Dona Maria, a geléia da Dona Dita, a cestaria do Seu
Raimundo. Contratar o guia que é filho do Seu Zé e cresceu tomando banho
naquelas cachoeiras.
E nessas andanças pela roça, cuidado pra não “contaminar” a moçada
com as tentações urbanas... é você que tem que ir embora de lá encantado com as
cores do por-do-sol e não o filho do Seu Zé que tem que ficar fascinado com o
seu iPad. Cuidado, muito cuidado... o filho do Seu Zé pode vir a ter um iPad,
se for o caso, mas não precisa colocar a carroça na frente dos bois...
discrição é fundamental.
Com uma postura correta, de igual pra igual, veremos que ninguém
precisa sustentar ninguém, trata-se apenas de uma troca, cada um cumprindo seu
papel, sem senhor, sem patrão, sem escravo e sem submissão. Isso sim é que é
humanidade e torná-la possível e nossa grande revolução.
inspirador
ResponderExcluirAdorei seu texto, cai aqui por acaso.
ExcluirNunca gostei de cidades pequenas,talvez por que nunca encontrei "meu paraiso" em nenhuma das que conheci na minha MG.
Hoje moro numa cidadezinha rural na Suiça e adoro!!!! Calma, ar puro, legumes bio em toda esquina e acima de tudo respeito ao homem do campo.
Nada comparado ao meu vozinho que era agricultor, trabalhou toda uma vida, e nunca teve nem um sapato. Vale à pena continuar lutando, voce é inteligente, ainda vai arrumar um canto pra viver seu sonho. Boa sorte,Renilde
Oi Renilde, obrigada pelo comentário!
ExcluirGostaria de saber qual foi o acaso que te trouxe até aqui...
Fico feliz por ter encontrado seu lugar, ainda que tão longe. E espero que esse tipo de progresso chegue um dia às nossas pequenas cidadezinhas mineiras...
Abraço!