terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Carta aberta ao DeRose

Querido Mestre,

Estive viajando por um mês, desde o Natal, e só na semana passada peguei a correspondência... que surpresa deliciosa ver sua carta! Obrigada pelo carinho!

Essa viagem, por lugares incríveis da Bolívia e do Perú, está descrita em detalhes aqui no Aralume e as fotos de cada episódio estão no meu perfil do Facebook. É muita coisa, não sei se você terá tempo de ver tudo, mas o texto que falo sobre a experiência na Trilha Inca (veja aqui) tem alusões diretas ao SwáSthya, talvez você se interesse...

Ainda sobre a viagem, ela foi pensada e planejada para ser um marco de um momento importante de transição da minha vida. Cumpriu exatamente sua função, com experiências riquíssimas, e é sobre esse momento de transição que eu queria falar com você.

A notícia é que estou deixando de trabalhar com o Método DeRose para voltar a me dedicar à minha profissão anterior, que é a engenharia florestal. Por todo apoio, carinho e confiança que recebi enquanto estava "nos seus braços", sinto-me na obrigação de dar algumas explicações. Não uma "obrigação chata", mas uma vontade sincera de expor os motivos que me levaram à decisão de trabalhar com o Método e de deixar de trabalhar com ele.

Como sei que esses motivos me serão cobrados por muita gente, preferi fazer essa carta aberta, dirigida a você, dirigida à pessoa com a qual eu mais sinto essa necessidade de conversar e explicar, mas que ao mesmo tempo sirva para que as pessoas que me cercam possam saber o que se passa nessa minha cabecinha, que pode até parecer confusa, mas que nunca esteve tão lúcida, graças ao trabalho que temos realizado desde que fiz minha primeira prática de SwáSthya.

Ah, sim, não poderia deixar de mencionar que outra pessoa à qual "devo explicações" é a Carla Mader, minha monitora, com quem já conversei muito e a quem devo também gratidão eterna. Se nesse tempo eu estava nos seus braços, estava de mãos dadas com ela!

Bem, quando conheci o SwáSthya, há quatro anos, foi amor à primeira vista! Comecei em uma academia, mas nunca gostei desse ambiente, então assim que soube que tinha uma escola especializada fui correndo conhecer. Se o amor ao SwáSthya tinha sido à primeira vista, o que dizer daquela escola?! Que lugar lindo, que recepção amorosa, que vontade de "ficar ali pra sempre"!

Cheguei até a pesquisar outros lugares com aula de yôga, mas não demorou nada pra eu perceber que o SwáSthya era realmente outra coisa e que o Método DeRose mais ainda. Marquei aulas experimentais, mas nem cheguei a ir... minha decisão já estava tomada fazia tempo. A diferença de preço (gritante) era mais um fator que colocava aquele trabalho em outro patamar, de seriedade e profissionalismo.

Outra coisa que me cativou demais foi o clima de escola. Quando soube que tinha uma biblioteca fiquei doida, queria ler tudo! Lembro da Carla dizendo "nossa, não sei quando foi a última vez que um aluno iniciante pegou um livro". Comecei, por sugestão dela, pelo Mitos (que foi reeditado com o título Quando é Preciso Ser Forte) e a leitura fluiu como uma conversa! Parecia que já éramos grandes amigos e aquele foi o meu primeiro "contato pessoal" com você... é estranho dizer isso, mas foi assim que eu senti... parecia que você estava contando pra mim a sua vida!

Entrei na escola em março, fui mergulhando na prática e lendo bastante, buscando entender onde eu estava e como seria aquele caminho. Não demorou para eu "descobrir" que a filosofia recomenda que não se consuma carnes e drogas (de qualquer tipo, inclusive álcool). Se esse era um requisito para vivenciar aquela experiência fantástica com mais profundidade, ok, eu topava o desafio! Em algum dia de junho, decidi que aquelas substâncias não entrariam mais em meu corpo. E assim foi, de um dia para o outro, sem sofrimento, sem pressão. Eu sentia (ainda sinto) como a prática supre determinadas carências e, como num passe de mágica, a vontade de consumir esses itens simplesmente desaparece (claro que não é assim com todo mundo, mas fiquei feliz que comigo tenha sido!).

Em agosto passei pra turma de SwáSthya e lembro nitidamente da minha primeira aula. Fiquei a prática inteira de olhos fechados, com uma naturalidade que parecia que eu estava seguindo uma memória. Mais um amor à primeira vista! Se até então eu tinha muita afinidade com tudo que me estava sendo mostrado, à partir daquele momento percebi que esse era definitivamente o "meu caminho".

A vontade de ser instrutora foi ficando cada vez mais palpável, mas eu tinha uma profissão da qual gostava muito, na qual já tinha investido anos e anos de estudo e estava começando a me estabelecer profissionalmente, começando a ganhar dinheiro. Dinheiro este que me proporcionava inclusive vivenciar o SwáSthya...

E por falar em trabalho, eu precisaria tirar férias até o final do ano e, como sempre gostei muito de viajar, quis unir o agradável ao mais agradável ainda e ir para um lugar onde tivesse uma escola do Método DeRose. Ao consultar o site para ver as escolas, Saquarema brilhou na minha frente! Fui falar com a Carla, que me deu o maior apoio e falou maravilhas da Rô de Castro, que eu ainda não conhecia nem de "fama".

Escrevi então pra Rô, dizendo que queria ir pra lá e que estava disposta a ajudar na Unidade no que fosse preciso. A sensação de ler o e-mail de resposta dela também é um episódio nessa jornada que guardo no meu bau de tesouros! Ela foi extremamente acolhedora, como se nos conhecêssemos há muito tempo e me convidou para ficar hospedada na casa dela!!! Eu mal podia acreditar!

E lá fui eu pra Saquarema! Foi uma semana maravilhosa de convívio naquela escola praiana. Como discípula mais nova ficava com as "piores" tarefas, mas eu nunca fui tão feliz ao limpar um banheiro! Tive ainda o privilégio de sádhanas praticamente VIPs com a Rô, sem que na época eu soubesse de tudo o que ela é, mas com aquelas vivências era impossível não notar que eu estava em mãos muito, mas muito especiais. Mais um amor à primeira vista pra minha coleção de amores nessa família.

Voltei dessa viagem com os vínculos com a egrégora ainda mais fortalecidos. Entreguei pra Carla, voluntariamente, um relato de guru sêvá que reli outro dia enquanto arrumava minha pasta na escola... impossível conter as lágrimas.

Em agosto de 2009 subi mais um degrau na escala evolutiva e também participei do meu primeiro festival. Não vou me alongar na descrição do que foi pra mim essa experiência, só digo que foi arrebatadora. Por mais que todos falassem que o festival era o máximo, por mais que eu estivesse esperando que fosse mesmo o máximo, não tinha expectativa que desse conta do que foram aqueles três dias! Eu não imaginava que poderia ter experiências tão fortes e profundas em um ambiente tão descontraído e informal.

E foi mais ou menos por aí que eu percebi que se quisesse mergulhar um pouco mais, precisaria assumir outro nível de comprometimento. Eu já devia estar no grupo de aprofundamento filosófico e logo comecei a formação profissional. Um universo paralelo se descortinava então... como era diferente conhecer aqueles bastidores!

Em março do ano seguinte (2010) fui para minha primeira avaliação na Federação do Estado. Intensa é a melhor palavra para descrevê-la. Mais um vez o profissionalismo e a seriedade, aliados a um ambiente descontraído e acolhedor, me surpreenderam. A forma como a banca avaliava cada candidato me chamou muita atenção, principalmente porque a maioria dos avaliadores era muito jovem, mas com uma experiência e até mesmo uma sabedoria muito grandes!

Dois meses depois voltei para fazer uma nova avaliação (procedimento para todos os novatos) e no mês do meu aniversário ganhei meu melhor presente: fui aprovada! "Ganhei" uma turma na escola e logo comecei a dar aulas, ainda sem ter feito a opção definitiva entre as duas profissões, que até o fim do ano levei de forma paralela.

Ao mesmo tempo que eu queria me dedicar totalmente à profissão de instrutora, ainda precisava de uma certa segurança financeira da engenharia florestal... todo começo de carreira implica em alguns sacrifícios e justo agora que eu estava saindo dessa fase, inventava de começar tudo de novo! No começo da engenharia florestal eu tinha o suporte dos meus pais, para o básico e fundamental, sem nenhuma regalia, mas era um aporte mínimo que me permitia dar alguns voos em busca de um pouso mais estável.

No começo do trabalho como instrutora quem fazia esse aporte mínimo era a engenharia florestal. Mas as duas coisas competiam e em janeiro de 2011, com novas possibilidades na escola, me comprometi a trabalhar só como instrutora (na verdade mantive um trabalho com o qual eu já estava envolvida, mas que me demandava muito pouco tempo e apenas a cada três meses).

Não vou ocultar o fato de que ter o apoio - emocional, filosófico e financeiro - do meu marido foi absolutamente fundamental em todas as minhas escolhas! Ele sempre enxergou como aquela prática me fazia bem e em momento algum me questionou sobre a opção de ser instrutora, ao contrário, me dava muito incentivo! Além disso, se eu não tivesse a tranquilidade de ter alguém para cobrir o aluguel enquanto o pagamento não vem, seria inviável.

Como todas as decisões foram pensadas e ponderadas, eu tinha um plano. E meu plano era que o ano de 2011 seria um grande "test drive" para eu sentir a profissão de instrutora. Participei dos eventos administrativos, fiz minha revalidação na Federação, assumi funções importantes na equipe da escola (que era na verdade só eu e a Carla!), dei muitas aulas, fiz muitos cursos, enfim, aprendi pra caramba!

E essa imersão me fez ver que, em termos profissionais, talvez esse não seja o meu caminho. Acho lindo como os instrutores são apaixonados pela profissão, mas não consegui chegar nesse nível. Uma das primeiras "luzinhas vermelhas" que acenderam foi um incômodo com a rigidez do compromisso com as aulas, agravado pelo fato de estarmos em uma equipe muito pequena, sem grandes possibilidades de ter alguém para cobrir uma eventual falta. Sei que isso não é algo inerente à profissão, mas relacionado à realidade específica da Unidade Itu... só que era essa a "minha" realidade...

Outro ponto que começou a pegar foi o ganho financeiro ainda muito limitado. Também não é algo inerente à profissão, porque conheço muitos instrutores bem sucedidos financeiramente. E se formos pensar que eu estava no comecinho da carreira, podemos considerar como algo totalmente normal... mas nada é isolado e aí entra outro aspecto da decisão, que é um planejamento de longo prazo, considerando, é claro, as expectativas e anseios do meu marido.

E esse nosso planejamento de longo prazo não inclui continuar em Itu, onde viemos parar por "conveniências profissionais". Não inclui, na verdade, nenhuma grande cidade e uma coisa que pude constatar é que é muito difícil e pouco gratificante trabalhar com o Método em cidades pequenas (considerando Itu como uma cidade pequena... nas menores então, acho impossível!).

Nossa intenção é ir cada vez mais pro "meio do mato" e já cheguei a cogitar um trabalho com o Método nesse tipo de ambiente, sonhei muito, mas sinto que esses sonhos ainda estão muito distantes da realidade - da minha realidade e da realidade dos rumos que o Método vem tomando...

Enfim, diante disso tudo resolvi que vou voltar a trabalhar com engenharia florestal, pelo menos por enquanto, pelo menos enquanto o caminho entre meus sonhos e a realidade ainda estiver encoberto por névoas...

Mas quero deixar as portas abertas! Quero continuar sendo instrutora, quero continuar sendo sua supervisionada, quero continuar sendo monitorada da Carla. Sei que os vínculos com a egrégora ficarão mais fracos, mas se eu puder pelo menos continuar nessa rede, tenho esperança de deixar a chama acesa.

Continuo praticando na Unidade Itu (enquanto estiver por aqui...) e farei minha revalidação em março. Mesmo depois que eu mudar, virei fazer as aulas de monitoria. Provavelmente onde estarei não terei uma Unidade do Método e será um grande teste de disciplina praticar sozinha... penso até em montar um grupo de prática, algo não muito formal, mas que me possibilite exercitar dar aulas e também divulgar a Nossa Cultura (conversaremos sobre isso quando for o caso, por enquanto é só uma ideia).

Queria finalizar esse longo relato dizendo, com todas as letras, que tenho uma admiração enorme por você, pela sua trajetória de vida. A força com que você mantém unida essa família é de arrepiar! Quero continuar sob ela! Aproveito também para expressar o meu carinho pela Fê, que pude conhecer um pouco mais de perto no processo de certificação da escola e que é também uma das figuras que mais admiro dentro do Método. Vocês formam um casal e tanto, é lindo de ver!!!

Mestre querido, muito obrigada! Quero continuar honrando o privilégio de ser sua discípula, quero que cada vez mais pessoas façam parte dessa cultura, quero que você seja muito feliz e recompensado pelo seu incansável trabalho!

Prometo encontrar meios de contribuir pra tudo isso, mesmo que não exercendo a profissão de instrutora.

Um forte abraço,

Carol Mathias.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Eu comigo nos Andes - voltando pra casa


A volta pra casa foi longa... devido a "facilidades tarifárias" (ou em português claro: porque era mais barato!), o caminho de volta contou com uma noite em La Paz, porque não tem voos da Aerosur de Cusco para São Paulo todos os dias, enfim, foi o jeito que demos para viabilizar a viagem... enquanto fazia a peripécia pensei se tinha mesmo valido a pena, em termos financeiros, porque essa noite em La Paz envolve comer ($), ter um lugar pra dormir ($$), táxis de ida e volta do aeroporto pra cidade ($$$) e a maledeta taxa de embarque que se paga no aeroporto de La Paz (US$ 25,00 - $$$$$$$$).

Mas como o que tá feito, tá feito, não me lamento, só deixo aqui registrado para quem queira se aventurar pelo roteiro. E, no mais, essa volta foi pra fechar com chave de ouro todas as expectativas e anseios que eu tinha com relação a essa viagem. Se poderia ser difícil e desafiador, pra que simplificar?!?!

A "espera" pela volta começou ainda no meu quartinho em Cusco. Sexta-feira de manhã tive a última aula, a tarde saí para comprar mais umas coisinhas, mas o tempo estava chuvoso e não dava nem pra usufruir do simples prazer de caminhar a toa pela rua... sabadão foi um tédio, com tempo também chuvoso, mas ainda dei uma saída pra almoçar, ver umas feirinhas de artesanato e só... a partir do sábado a tarde eu já estava "ligada" no fuso do Brasil, mas na realidade tinha três horas a mais, ou seja, imagina o téééééédio!!!

No domingo acordei cedo, terminei de arrumar as coisas e, até que enfim, aeroporto! Só que chegar no aeroporto, por mais que dê a sensação de estar indo pra casa, não é chegar em casa... e lá se vai mais um tempo em filas e procedimentos burocráticos de voos internacionais... chegando em La Paz, temperatura de 11 graus, com direito a chuvinha...

Eu, que queria dar mais uma passeada por mercados e feiras de artesanato, me contentei com um almoço no Sol y Luna e fiquei quietinha no albergue! Fiquei no Hostal República, onde a noite em quarto compartilhado me custou 50 bolivianos (ou algo como 15 reais). Quando cheguei não tinha ninguém no quarto, ele era todo só pra mim! Fiquei um tempo me sentindo a princesa do castelo, até que chega um cara.

Um italiano muito simpático (ah, nem precisa gastar sua imaginação com estereótipos de italiano!!! O rapaz era bem afeiçoado sim, mas longe do que costumamos imaginar por aí...). Conversamos bastante, ele é um pouco mais velho, não tem aquela pinta de moleque-viajando-sozinho, dos quais eu passava longe! E o mais interessante é que ele só viaja com bagagem de mão! Um mês viajando por outro continente com uma mochilinha de 30 a 40 litros, no máximo. Fiquei morrendo de inveja e me sentindo uma dinossaura gorda com meu mochilão MAIS bagagem de mão... desafio para a próxima viagem ;)

Tomei um banho, jantei e fiquei lendo na cama, me sentindo numa sala mega VIP, porque aquela estada em La Paz acabou sendo exatamente isso: sala de espera. Até que um pouco mais tarde entra no quarto outro moço, perguntando se as camas estavam vagas (ah, sim, o bom desse hostel é que não tem beliche! O quarto é grande e tem cinco camas). Eu já tinha me esparramado pelo quarto, mas tratei de recolher meus "trem", porque ele disse que estava com mais dois amigos.

A indefectível pergunta "de dónde eres" e ele me disse que era californiano (mais uma vez, não precisa imaginar um surfistão sarado de desarrumadas madeixas loiras... era um rapaz "normal", rs...) e que estava com dois indianos, que moram há 10 anos nos Estados Unidos. Os indianos entraram em seguida e, por sorte, também não eram nada estereotipados, hehe...

Depois fiquei pensando nesses estereótipos que a gente cria e imaginei os rapazes com os quais dividi o quarto naquela noite contando que tinham dormido com uma brasileira... se eles não condiziam com os estereótipos de italiano, californiano e indiano, eu muito menos com o de "brasileira"... então tá tudo certo, rs...

Enquanto estava lá no quarto, os moços entrando e saindo, conversando, arrumando as malas, pensei que coisa louca essa de dormir no mesmo quarto que pessoas TOTALMENTE estranhas! Dormir é uma coisa muito íntima, a gente ronca, baba, fica vulnerável... não cheguei a ter medo, nem a ficar incomodada, mesmo porque eles foram super educados e discretos, mas também não consegui ter aquele sono profundo e reparador... coisa de sala de espera!

A alvorada na segunda foi às 5 da matina, saí de fininho do quarto e mais um táxi pro aeroporto. Chegando em El Alto, o bairro alto de La Paz onde fica o aeroporto, uma coisa esbranquiçada nos jardins chamou minha atenção. Pensei "o que esses bolivianos inventaram agora, que tiraram os enfeites esdrúxulos do Natal?"... e todos os jardins estavam com "aquilo"... chegando no aeroporto, constatei ao olhar de perto que era... NEVE!!! Olhei em volta e vi os carros cobertos de gelo, uns pinheirinhos esbranquiçados, a grama coberta, tudo branco... adorei, imagina se não?! Afinal, como ouvi uns bolivianos dizerem por lá: "brasileiro adora neve!"

Fiquei doida pra tirar foto, mas primeiro o dever. Fiz o check-in, troquei dinheiro (umas moedinhas de Soles mais R$ 2,00), pois precisava pagar a tal taxa de embarque. Pelo menos aceitaram a nota de 20 dólares que estava com um rasguinho e não aceitaram em Cusco... aí então fui tirar umas fotos. O gelo já estava derretendo, mas mesmo assim me diverti! Os cumes nevados estavam ainda mais perto, parecia que era só eu atravessar a rua pra afundar o pé na neve!

Fui então para a sala de embarque, que estava melancolicamente quieta... um silêncio de despedida. Para encompridar a história, tem uma conexão em Santa Cruz de la Sierra. Nesses três voos em dois dias, tive tempo pra pensar em algumas coisas ligas à temática... por exemplo: a Aerosur é uma empresa boliviana (que "se orgulha de ser boliviana", conforme suas propagandas), mas as aeromoças são todas braaaaaaancas. É intrigante, porque quando você anda pelas ruas da Bolívia, vê aquela população super característica, com traços indígenas fortíssimos, ou vê turista! Eu ficava intrigada pensando onde tinham ido parar os espanhóis... mas entre os voos me dei conta de que os descendentes dos colonizadores viraram comissários de bordo =D

E, preconceitos à parte, los chicos más churros que he visto son los comisários! Pelo menos eles estão limpinhos, com barba feita, cabelo alinhado, roupa também limpinha... Em conversas com amigas, costumamos dizer que quando estamos em um lugar onde as pessoas não são assim, super bonitas, com o tempo "a vista acostuma" e você já começa a pinçar um cá e outro lá... não sei se é porque to ficando velha mesmo, mas a vista não acostumou! Não que eu estivesse buscando, mas gosto de ver pessoas bonitas... e com toda aquela diversidade étnica achei que fosse me deparar com tipos interessantes... que nada! De forma geral a galera é bem bizara... (meninos E meninas...).

Um outro item do tema "vida aérea" é que dessa vez a cortininha da primeira classe se me mostrou uma coisa um tando quanto incômoda... tipo: "eu separo você das pessoas privilegiadas". Fui provocando minhas reflexões e lembrando que eu não acho que todos tenhamos que viver sob um regime estritamente igualitário. Igualdade de opções é uma coisa e igualdade de escolhas é outra... vou tentar explicar melhor: se todas as pessoas tivessem condições econômicas iguais, certamente não seria um mundo onde "todo mundo pode fazer tudo", afinal, as riquezas são finitas. Então, uns optariam por viajar de primeira classe, outros optariam por dormir em um hotel mais confortável, outros ainda prefeririam comer um verdadeiro banquete, outros iriam comprar presentes pra toda a família... todos cientes de que, se não estão em condições melhores agora, foi porque optaram por essas condições em outra situação OU se tem pessoas em condições piores do que a minha agora, em outras situações elas estarão melhores... nesse mundo ideal então, haveria cortininha separando a primeira classe?! Não sei, hora de trocar de avião!

O último e mais longo voo teve turbulências e conversas com o colega de poltrona, brasileiro é claro, e aí falei pelos cotovelos, tudo que eu não tinha falado esses dias, seja por falta de familiaridade com o idioma, seja por falta de interlocutor... No mais, tudo tranquilo e pontual e, adiantando duas horas no relógio, cheguei em São Paulo no fim da tarde, como previsto.

No iPod o Eddie cantava " Pode me chamar que eu vooooooou! Eu vou, eu já tô aí!". Meu ano começa, oficialmente, agora. A agenda (que não tenho) está praticamente em branco, embora os planos e expectativas sejam muitos!

Chegando em casa, a alegria de ver o Pajé e o Jawa foi muito maior do que eu supunha! Transbordante, dos três lados! E tive também uma estranha sensação de que minha casa é enorme... nunca tinha percebido como meu banheiro é grande, como meu quarto é grande, como tenho tantos cômodos!... talvez também porque ela nunca tenha me parecido tão vazia... é irônico "começar o ano" sozinha... e, mais uma vez, a viagem me traz experiências inéditas e arrebatadoras pois, pisar em casa não foi exatamente o fim da peregrinação... ela tem ainda mais uns dias, de reorganização interna e readaptação ao fuso horário ;)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Eu comigo nos Andes - Cusco - Parte III


Antes de começar a semana, devo dizer que o Pretinho Básico, o netbook que o PC comprou e deixou comigo, foi um companheirão nessas duas semanas! Foi ótimo para organizar as fotos, escrever no Aralume, conversar com as pessoas via Skype e MSN e, é claro, Facebookiar à vontade!

Gastei umas boas horas por dia no computador e me questionava se não deveria estar na rua "vivendo". Mas fui pra rua também e, quer saber, tô de férias!!! Me permiti fazer o que tinha vontade, cumprindo compromissos básicos com os estudos, com a organização e limpeza do quarto, com uma boa alimentação e com a regularidade nas práticas de Yôga. De resto, me deixa!

Mas, afinal, eu estava em uma cidade mega turística, com muita coisa pra conhecer, então, tratei de me informar sobre os locais onde eu "não poderia" dizer que não fui...

Tem um city tour completo que achei meio caro: S/. 130,00 pelo bilhete turístico + US$ 15,00 para o guia. Pensei um pouco, fiz umas contas, e descartei; tem o passeio pelo Vale Sagrado, que custa mais uns US$ 35,00 e tem que ter o mesmo bilhete turístico do city tour... também pensei um pouco, fiz outras contas, e descartei... preferi gastar o dinheiro que tinha nas lojas de artesanato, rs...

Mas fui visitar o Museo Inca, que inclusive não está no bilhete turístico e custa 10 soles pra entrar. Putz, não achei nada demais... tadinho, é feinho que só... mal montado, meio escuro... não gostei... claro que tem umas coisas interessantes, uns achados arqueológicos lindos, muita história, mas nada de muito empolgante (me sinto uma aborrecente escrevendo isso, mas estou sendo sincera... os cultos que me perdoem...).

No mesmo dia fiz meu único programa noturno da temporada. Fui ao Centro Qosqo de Arte Nativo, onde tem toda noite uma apresentação de música e dança típicas por 25 soles. Bonito, mas nada arrebatador... acho que estou mal acostumada com a música e dança brasileiras... pra quem é fã de Antonio Nóbrega realmente não tem muita graça...

Aí só me faltava uma atração "imperdível", pra eu não levar bronca de ninguém na volta: Sacsayhuaman, que é um lugar não muito longe do centro, onde tem umas rochas enormes e faz parte da série olha-do-que-os-incas-eram-capazes! Essa atração está incluída no bilhete turístico, mas se quiser visitar avulso também pode... por 70 soles... eu realmente não estava a fim de desembolsar essa grana e já estava quase desistindo da atração imperdível, quando a Paula, a colombiana que conheci em Puno, me disse que tinha entrado lá bem cedo e não tinha ninguém cobrando! Ela tinha saído pra correr, foi parar lá por acaso e entrou na faixa!

Ah, o sangue brasileiro ferveu nas minhas veias e achei o máximo a ideia de entrar lá sem pagar (ai que vergonha, mas, mais uma vez, isso prova que o Aralume é um canal extremamente sincero!). E quando ela falou que tinha saído pra correr também me deu um comichão... pronto, mudei o horário da minha aula do dia seguinte pra um pouco mais tarde e estava decidida a fazer a mesma empreitada que a Paula.

Só que amanheceu chuviscando... que droga, todos as manhãs estavam sendo lindas, de sol e céu azul... fiquei um pouco na cama pensando se ia ou não e resolvi não ir... tomei café e vi que a chuva tinha parado... quer saber? Vambora!

Coloquei minha roupinha de corredora (sim, eu tinha uma!) e lá fui eu correndo pelas ruelas de Cusco. Oh céus, de quem foi a ideia!? Cinco minutos de aquecimento andando rápido mais cinco minutos correndo, com direito a uma bela subida, e eu já estava à beira de ter um treco! Terminei a subida andando e logo estava na entrada de Sacsayhuaman. E não é que não tinha ninguém mesmo?!

Sem olhar pro lado, fui entrando. Logo apareceram os imensos muros de pedra, realmente impressionantes... mas um pouco à frente tinha outra guarita e nessa tinha gente... tentei dar uma de joão sem braço, mas não colou... não deu pra conhecer tudo, mas sem stress... voltei caminhando e estava com aquela sensação boa que dá depois da corrida (por mais que tenha sido uma vergonhosa corridinha de cinco minutos!).

E no caminho de volta fui pensando que os feitos humanos não tem sobre mim, nem de longe, a mesma magia dos feitos da natureza... ah tá, e daí que a galera empilhou aquele monte de pedra? E daí que "não seria possível"? Eu realmente não ligava a mínima pra isso... o que me espanta e me faz ajoelhar e chorar de emoção são belas cachoeiras, paredões imensos de chapadas, florestas exuberantes e flores singelas, praias paradisíacas, pores do sol coloridos e nasceres do sol idem, arco íris, o Salar de Uyuni, a imensidão do Lago Titicaca, os bichos do Pantanal, a poesia do céu do cerrado, as praias do Tapajós!

É, turismo urbano realmente não é comigo... por mais que seja o urbano de séculos ou milênios atrás...

Finalmente em paz comigo mesma, sem pressão pra "carimbar o passaporte" em mais nenhum lugar, comprei os últimos artesanatos (e olha, se você ganhar algum deles, saiba que é resultado de um processo árduo e profundo, porém sincero, de desapego, rs...), separei o dinheiro pro almoço de sábado e pro táxi até o aeroporto e vou me despedindo dessas férias peregrinantes pelas terras altas dos Andes.

Ainda tenho mais um dia em Cusco e uma noite em La Paz antes de voltar pro Brasilsão amado. Se nesse meio tempo surgirem fatos dignos de nota, pode ter certeza que você saberá!

Eu comigo nos Andes - Cusco - Parte II


O PC queria comprar milhos para os amigos agroecológicos e depois de perguntar aqui e acolá, descobrimos o Mercado San Pedro. No mesmo dia, a Thássia e o Lelo, que tinham ido em busca de outras coisas, acabaram por parar nos arredores do mercado e tiveram um pequeno incidente com um assalto... eles foram empurrados por uns rapazes e depois se deram conta de que o pacote de lenços de papel que estava no bolso do Lelo havia sumido... prejuízo insignificante, mas se fosse a carteira o saldo seria outro... esse episódio serviu como um aviso pra mim, que tratei de me precaver ao máximo!

Então peguei só o dinheiro estritamente necessário e o RG, que é aceito como documento no Perú, e se fosse pra perder algum, melhor o RG do que o passaporte, e coloquei no money belt, que quebra um bom galho nessas horas e dá uma certa tranquilidade para transitar por lugares habitados por gatunos. Na bolsa só amenidades, como o guarda chuvas (nunca saia de casa sem um guarda chuvas no verão de Cusco!), lenços de papel (lembre-se que eu estava gripada), óculos escuros (o baratinho que comprei depois de ter perdido o meu bonitão, snif...) e acho que só.

Aproveitei pra comprar uns artesanatos, umas coisas de lã de alpaca, pela metade do preço do que no centro de Cusco! Comprei também umas frutas e alguns vegetais. Há de tudo no mercado, é lindo! Eu, pelo menos, adoro! Flores, frutas, hortaliças, cereais, pães, queijos... claro que umas coisas não dá coragem, pois as condições de higiene são complicadas... mas vale o passeio!

Se quiser também tem os alucinógenos San Pedro e Ayahuasca, baratinho, baratinho... eu hein...

Tem também a parte das carnes, peixes e rãs (?!) onde passei correndo e com a respiração retida! E o setor de comidas pra comer na hora, com uns pratos bizarrícimos e outros até apetitosos, mas meus mínimos conhecimentos sobre intoxicação alimentar não deixavam a mínima chance de me aventurar por esses corredores...

O passeio transcorreu muito bem e chegando em casa mergulhei as uvas e pêssegos em água com hidroesteril e me deliciei com frutas frescas! Experimentei também uma fruta diferente, que eles chamam de pepino, muito boa.

Eu já não gosto muito de cozinhar só pra mim e esses dias estava especialmente pouco inspirada... pra minha grande sorte, na quarta-feira descobri o restaurante Govinda Lila, que fica a uma quadra de casa, é minúsculo e vegetariano! O menu custa 5 soles e começa com uma sopa (sempre deliciosa!), depois tem o prato principal, cada dia uma coisa e sempre muito saboroso e ainda tem um mate. Almocei lá, conversei um pouco com a Lila e virei freguesa! Almoço ótimo por R$ 3,65, ah que bênção!

À noite me virava em casa mesmo, ora com macarrão, ora com sopa de quinua...

E assim foi indo minha semana... sem ansiedade pra conhecer, sair, ver... me permiti umas férias de fato! Meu único compromisso do dia era ir à aula, das 8h30 às 10h30. Depois ia pra casa, escrevia, almoçava, comia um chocolate, estudava, lia um pouco, caminhava um pouco, olhava alguma lojinha... quando estava mais disposta, caminhava mais e ia observando a cidade, sem pretensões.

No começo da semana estava muito frio e depois foi ficando esquentando, com dias lindos, e dava até pra sair na rua de camiseta! Ah, achei uma lavanderia perto de casa e por 6 soles/kg tinha roupas limpas!

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas era hora de sair do marasmo... fui passar o fim de semana no Lago Titicaca, sobre o qual já escrevi aqui... até segunda!

Eu comigo nos Andes - Cusco - Parte I


Manhã chuvosa de domingo, 8 de janeiro de 2012. Sem drama nem despedida cinematográfica, PC, Thássia e Lelo entram no táxi e eu volto para o quarto, para terminar de organizar minhas coisas. Em seguida, mochilão nas costas, saio em busca de um novo pouso, mas condizente com o orçamento de quem viaja sozinha.

Vou para o Hostel Casa de La Gringa, que fica perto da escola onde começarei o curso de espanhol. Habitación conpartida, pero el hostel estuvo vacío y me quedé sola. Baño conpartido también, mas tranquilo. Internet buena, hora de atualizar as peripécias dos últimos dias. Fui em busca de um mercadinho pra fazer uma comida e saiu um macarrão bem sem vergonha... só mesmo um chocolate depois pra consolar...

El desayuno fué en compañia de dos chicas y un chico argentinos, que cuando supieron que yo soy brasileña hablarón del hit del momiento: Ai se eu te pego! Isso não aconteceu só uma vez e eu tive que pesquisar sobre a tal música pra poder conversar com as pessoas! Café da manhã muito bom, com pão integral caseiro, salada de frutas, iogurte... delícia! Paguei os 35 soles e fui de mala e cuia pra escola, pois de lá iria pra minha "morada definitiva".

O curso de espanhol foi na escola Wiracocha e optei pela carga horária de 2h/dia, em grupo, por US$ 50,00/semana, mas acho que já subiu, pois esse era o valor de 2011 e como tinha me comunicado antes com eles por e-mail, mantiveram o preço. Antes conheci também a escola San Blas, mas não gostei, pois fui atendida por um gringo que só ficava falando em inglês! Além disso eles só tinham turmas de 4h/dia e ia sair muito caro.

A Wiracocha fica também no bairro de San Blas, que é tipo o bairro hippie de Cusco! É uma graça, com ladeiras estreitas, quase sem calçada! Tem, é claro, uns hippies na pracinha, que é bem pitoresca. Diz que rola uma vida noturna interessante, mas eu não fui conferir... já não sou muito baladeira, sozinha então, não teve jeito...

A minha turma de espanhol era composta por mais uma moça, a Bettina, alemã. Ela estudou um pouco de espanhol em Barcelona, então já sabia um pouco e a turma deu certo. Nossa professora foi a Indira e as aulas foram bem bacanas. Estudamos os tempos verbais e estou penando um pouco, pois falta agilidade pra lembrar das terminações corretas e dos benditos irregulares...

Depois da aula o Gary, funcionário da escola, me levou até a minha casa, que fica pertinho da escola. Escolhi ficar em uma casa de família, pra ter mais privacidade, pois é mais barato do que pagar una habitación privada en hostel, e também para conviver um pouco com as pessoas da cidade, ao invés dos gringos que invariavelmente habitam os hostels.

Bem...quanto ao primeiro objetivo, foi plenamente atingido! Tive um quarto só pra mim, com internet e banheiro! Mas quanto ao segundo, foi um fiasco... o pessoal da casa quase nunca estava e eles faziam as refeições numa casinha aos fundos, deixando a cozinha da casa só pra mim... então o máximo que interagi com eles foi "Hola, buenos días" y "Buenas noches"... o Jimy, que tem mais ou menos a minha idade, até me chamou pra sair uma noite e eu, suuuuuuper preguiçosa, mas esforçada, aceitei. Quando eu estava prontinha, de maquiagem e tudo, ele bate no meu quarto e diz que o amigo que ia tocar não vai mais e não sei o que, enfim, não fomos :(

Mas valeu a pena ter ficado nessa casa, porque na minha vida de tiazona, prefiro mil vezes ter um quartinho tranquilo e só pra mim, do que ficar num quarto coletivo de albergue "interagindo" com as pessoas... e não posso nem dizer que já passei dessa fase, porque nunca estive nela, nasci tiazona, huoiauhhahahaa!!!

Bom, o primeiro dia foi em função da escola e da casa. O quarto não estava lá muito limpinho e resolvi fazer uma faxina... aí percebi que o ralo do banheiro estava entupido. Fui falar com o dono da casa e ele falou "ah, qualquer coisa você toma banho no outro banheiro". Nã, nã, ni, nã, não! Se eu queria un baño privado era justamente pra não ter que ficar levando roupa pro banheiro, pra deixar minhas coisas espalhadas, enfim, pra me sentir um pouco mais à vontade e um pouco menos acampando.

Fui pro supermercado, comprei desentupidor (desatascador, descobriria eu mais tarde com ajuda da minha amiga Marina), produtos de limpeza, bucha, escova, comida. Almocei um macarrão um pouco melhor que o do dia anterior e tarde de faxina! Consegui desentupir o ralo e aí sim o quartinho e seu banheiro estavam dignos da minha presença ;)

Internetei e logo fui dormir, cansada e com um começo de gripe... eu bem que estava me achando meio "mulher maravilha" por estar tão inteirona, mas aí dei uma baqueada... garganta e nariz reclamando, dormi mal alguns dias... comprei gengibre em pó, balas de mel e eucalipto, fiz umas sopinhas de quinua, fiquei de boa e até o fim da semana já estava bem de novo e sem grandes prejuízos.

Na terça minha missão era fazer uma nova excursão ao Mercado San Pedro, onde eu já tinha ido com o PC. Adoro mercados e vou falar sobre este na próxima postagem ;)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Eu comigo nos Andes - Lago Titicaca


Depois de cinco dias sozinha em Cusco (sobre os quais ainda não escrevi, mas vou escrever), fui fazer a minha primeira excursão "alone and by myself". Eu vim pra Cusco acompanhada e depois os companheiros foram embora... isso faz uma diferença... agora eu que iria começar uma viagem sozinha.

E como não estou de brincadeira, teve serviço completo:
- decidir a agência de viagens sozinha;
- buscar um táxi sozinha;
- esperar na rodoviária sozinha;
- viajar uma noite inteira sozinha;
- segurar a onda do frio na barriga sozinha (será que vão me buscar? será que o passeio existe mesmo? será que caí num conto do vigário?);
- entrar em um grupo de turistas onde ninguém falava a minha língua, sozinha;
- me enturmar com os companheiros turistas, guia, capitão e família anfitriã, sozinha;
- decidir que artesanatos comprar sozinha;
- fazer a viagem de volta semi-sozinha (você vai entender por quê);
- buscar um táxi sozinha;
- chegar "em casa" sozinha.

Então, depois de apreciar o cardápio, vamos ao banquete! ;)

Ainda no Brasil, enquanto estávamos planejando a viagem (reparem no plural... não fiz isso sozinha, mas principalmente com a companhia da Thássia, com quem tive o prazer de compartilhar o "orquestramento" da viagem!), tínhamos a intenção de conhecer as ilhas do Lago Titicaca, mas depois os planos mudaram e conhecemos só a Isla del Sol, na parte boliviana.

Quando os planos mudaram eu já sabia que ficaria mais duas semanas em Cusco e resolvi que iria conhecer as ilhas do lado peruano sozinha. Tínhamos pesquisado algumas agências que fazem o passeio e em Cusco orcei com mais duas, todas com o mesmo preço (US$ 50,00 pelo passeio de dois dias e uma noite). Uma delas foi a que fizemos a Trilha Inca e outra é conveniada com a escola onde estou estudando espanhol.

Optei pela conveniada com a escola, pois eles aceitaram cartão de crédito (detalhe importante, pois assim só vou pagar o passeio dia 20/02, rs...) e também porque eles tem convênio com uma pousada em Puno, onde eu poderia dar uma descansada desde a chegada do ônibus (5h) até a saída do passeio (8h).

As passagens do ônibus foram compradas via agência e solicitei o "bus cama", ou ônibus leito (S/. 140,00 ida e volta). Fiquei toda felizona pelo luxo, me imaginando naquelas poltronas lindas e enormes que ilustram o encarte da passagem. Eu já não gosto de viajar de ônibus (ai, fresca, pode falar!), com uma pessoa estranha do lado, menos ainda (fresca mesmo) e por uma noite inteira então, credo! A escolha do bus cama foi um bálsamo pra essa agonia!

Como sempre, comprei umas guloseimas pra viagem, uns chocolatinhos, uns cereais e só, porque não cabia mais nada na compacta mochila de 30 litros que o PC deixou comigo (e eu não queria assustar ninguém aparecendo com um mochilão de 72 litros pra passar um fim de semana!).

O ônibus era só às 22h30 da sexta e fiquei em casa "enrolando" numa internet vazia de sexta-feira à noite - mas embora eu tenha ficado sem companhia, fico feliz em saber que meus amigos tem mais o que fazer numa sexta à noite do que ficar de bobeira por MSNs, Skypes e Facebooks!

Lá pras nove saí e fui atrás de um táxi. No ponto perto de casa não tinha nenhum e um senhor foi até meio estúpido quando eu perguntei por táxi, "también estoy a procura de un", disse ele de forma ríspida. Ok, continuei andando e logo apareceu.

Rodoviária já é um lugar feio por natureza... à noite, no Perú e sozinha era algo realmente deprimente. Paguei a taxa de embarque, "me escondi" de uns brasileiros que estavam na fila (não estou fazendo a menor questão de encontrar com conterrâneos desconhecidos e fingir que somos amigos de longa data, só por compartilhar o idioma...) e sentei pra esperar a hora do embarque.

Página do diário, El Molekito:
"En el terminal terrestre de Cusco, aguardo mi bus para Puno. No sé por qué siempre escojo los caminos más solitários. A veces parece que tengo pereza de hacer nuevos amigos... tengo sí una pereza enorme de empezar una conversación sin motivo y pienso que esta actitud acaba por afastar que otros empiecen tal conversación conmigo..."

Fiquei ali pensando por que não sou dessas pessoas super populares, que puxam papo com todo mundo, que sempre tem um assunto interessante, que não tem vergonha de falar errado um idioma que não dominam. Admiro profundamente essas pessoas...

O DeRose fala que timidez é falta de educação; que não existe desculpa pra não cumprimentar as pessoas, pra não dar um sorriso, pra não fazer um comentário cortês. Concordo e não chego a me considerar tímida, nesse sentido de parecer um bicho do mato. Mas também acho que a diversidade de personalidades deve ser respeitada... sou mais "na minha"... às vezes me acomodo um pouco, principalmente porque geralmente estou com o PC, que é umas dessas pessoas super populares, e ele faz o "trabalho pesado" por mim, rs... (pesado pra mim, não pra ele!) e um dos motivos de querer viajar sozinha também foi sair um pouco da toca, exercitar o relacionamento com pessoas desconhecidas... que fique claro que é um esforço tremendo! Mais um... quando pensei nessa viagem não me dei conta do baú de desafios no qual ela se tornaria!

E enfim chega a hora do embarque. Qual não foi a minha decepção quando vi que NÃO ERA um bus cama!!! E eu nem tinha com quem reclamar ali, já que tinha comprado as passagens pela agência de viagens... era sim um ônibus bom, bem mais novo do que o que fomos pra Uyuni, mas com poltronas normais... ah, fiquei tão chateada!!!

O que não tem remédio, remediado está... peguei a mantinha que ocupava um espaço considerável da mochila e que salvou minha noite, iPod a postos, consegui dormir razoavelmente bem. Ah, não sem antes trocar umas palavras com a colega de poltrona, uma estadunidense que não falava espanhol. Fiz bonitinha minha lição de casa, conversando com a moça "como uma pessoa normal", hahaha! Foi ela quem pegou o iPod primeiro e fiquei feliz por não ter sido eu a "antissocial"! Já estava na hora de estrear meu caderno de exercícios e fiz a primeira página da lição de casa ;)

Chegamos em Puno antes do sol. Mais uma rodoviária, éca! E com um frio lascado, ainda bem que nem tinha guardado a mantinha! Achei uma cadeira e sentei pra esperar a pessoa que me buscaria... o moço da agência disse que iriam me buscar umas 5h30 ou 6h e não era nem 5h ainda... fiquei pensando se pegava o livro na mochila apertada e quando decidi pegá-lo, aparece um moço com uma plaquinha com o meu nome! Ah, que bom, realmente alguém tinha ido me buscar e antes do horário combinado!

Ele me levou pra tal pousada e me colocou num quarto junto com um grupo de 4 chilenas de 20 e poucos anos. Mesmo com o sono e cansaço da viagem, fiz a página 2 da lição de casa e interagi um pouco com as meninas, que me olhavam com um certo encanto por eu estar "viajando sola", algo como "nossa, um dia quero fazer isso!". Estávamos todas cansadas e tiramos um cochilo, eu feliz por me sentir a "tia aventureira" =D

Acordei no horário combinado, arrumei minhas coisas, troquei de roupa (afinal, estava praticamente de pijama!) e logo um menino veio me chamar. As chilenas ainda dormiam e fui descobrir que elas iriam fazer outro passeio. Fomos pro porto e foi aí que deu o maior frio na barriga!

Eu estava com um menino de, no máximo, 14 anos, não tinha nenhum voucher ou documento "oficial" do passeio (só o número do telefone do cara da agência) e o menino parecia um pouco perdido, como se estivesse esperando/procurando alguém... eu perguntava se estava tudo bem, ele fazia uma cara de claro-que-não-está e dizia que sim, que estava tudo bem.

Depois de longuíssimos três ou quatro minutos nessa situação ele me diz que vai não sei onde, aí eu gelei. Peraí, eu não ia ficar sozinha ali de jeito nenhum! Botei uma pressão no moleque, afinal tinha uns turistas embarcando, ele falou com o moço que estava recebendo os turistas e pude entrar no barco também. Ufa, pelo menos estava dentro do barco!

Conheci o guia, Alex, que foi muito simpático, e tomei assento. Um pouco depois apareceu um rapaz no barco chamando por mim, gelei de novo, mas era só pra se certificar de que eu havia embarcado. Devia ser por ele que o menino estava procurando...

Todos à bordo, o guia faz uma rodada de apresentações, perguntando a nacionalidade de cada um: um rapaz e um casal estadunidenses; uma senhora belga; uma família (4) australiana; um casal de alemães; um casal de irlandeses; um casal de argentinos e uma colombiana. Oba, nenhum brasileiro!!!

O guia fez uma breve explanação sobre o lago e a comunidade dos Uros, as ilhas flutuantes, onde seria nossa primeira parada. Ao chegar na ilha, nos sentamos pra ouvir uma pequena palestra, do guia e dos moradores locais da comunidade. Fui pro lado dos argentinos e da colombiana e disse que queria ficar com eles, pois preferia falar em espanhol. Eles foram super acolhedores e me permitiram avançar mais umas páginas no caderno de exercícios! O casal, Maria e Jorge, é mais velho, de uns 50 e tantos anos e a colombiana, Paula, pouco mais velha que eu.

Aprendemos sobre os impactos da introdução de espécies exóticas de peixes no lago, sobre a construção das ilhas flutuantes, sobre o múltiplo uso da totora, sobre os costumes locais... foi bem bacana. O líder da ilha é um figura, super habituado a receber turistas e até falava umas coisas em inglês, uma graça. Depois da palestra, um tempo pra conhecer e comprar os artesanatos e pra passear nos barcos de totora. Eu não fui... preferi gastar meus soles em artesanías e tomar um sol do deck do barco.

Ah, sim, o dia estava ma-ra-vi-lho-so! Tirei a bota, arregacei a calça e tomei um sol nas canelas! Fiquei olhando pro céu, aquele silêncio de natureza, com pássaros ao longe, o som dos remos na água se distanciando, uma criança correndo aqui, outra acolá... nem parecia que eu estava fazendo um dos roteiros mais turísticos do Perú! Muito, muito agradável!

A próxima parada foi na Ilha Amantaní, onde passamos a noite. Foram 3h de barco até lá e deu pra fazer um pouco de tudo: tirei fotos, conversei com os novos amigos, tirei um cochilo e finalmente comecei a ler o livro que tinha levado especialmente pra essa viagem: El Hablador, de Vargas Llosa, que comprei por indicação da amiga mais literária que tenho, a Ana Schilling, minha "irmã mais velha" pra quem não sabe, rs... (viu hermanita, como sigo seus conselhos?!).

Nesse trecho descobri que os amigos da Argentina são de Mendoza e o filho mais velhos deles é guia de montanha no Aconcágua! Oh céus, meus olhos já brilharam e trocamos contatos... ah, essa doença incurável das viagens aventureiras! Descobri também que a Paula trabalha com turismo ecológico na Colômbia e os olhos também brilharam, lembrando que o PC é doido pra conhecer a Colômbia... pelo menos a doença é compartilhada entre o casal ;)

Um pouco antes de chegar na ilha o guia faz mais algumas explicações e é tudo bem interessante, gosto de ter alguém me explicando as coisas! Na ilha, somos recepcionados pelas mulheres da comunidade em trajes típicos lindíssimos. É interessante como é tudo super turístico, mas isso não me incomoda. Não fico com a impressão de ser uma coisa "fake". Na verdade a impressão que dá é que eles, tanto nas ilhas flutuantes quanto nessa, tem muito orgulho de mostrar sua cultura e são também gratos por nossa visita, pois o turismo é hoje a principal fonte de renda dessas comunidades e é o que dá uma certa sustentabilidade às tradições, uma vez que é faz parte do que os turistas querem ver.

O grupo é distribuído entre as casas e fico na mesma casa que a Paula! Só que cada uma em um quarto, que são cuidadosamente arrumados, dentro da simplicidade das casinhas de adobe sem água encanada (nesse momento ficou ainda mais gritante como a Bolívia está atrasadíssima no trato com o turista, em comparação com o Perú...). O banheiro fica fora da casa, como na roça de antigamente, mas é limpinho e tem até espelho!

Logo depois de sermos apresentadas às habitaciones, somos chamadas para o almoço, que começa com uma deliciosa sopa de quinua e tem como prato principal três tipos de batatas cozidas e um queijo na chapa delicioso! Antes de irmos pras casas eu falei pro guia que sou vegetariana e ele disse que todos na ilha são! Ele falou que às vezes tem um peixe, mas que a alimentação deles é principalmente vegetariana. Fiquei tão feliz!

Tivemos uma meia horinha de descanso e logo fomos nos encontrar com o grupo, para o passeio mais esperado do dia: a subida à montanha Pachamama, com 4.200 m de altitude, para ver o por do sol! Sobre essa parte específica do fim de semana eu falei na postagem anterior, mas quando escrevi não consultei as anotações no Molekito, então complemento agora com outras informações.

Bem, o passeio foi muito agradável, eu adoro as horas finais do dia, talvez porque tenha conhecido o mundo nesse horário! Gosto da sensação de "lá se vai mais um dia", porque ela me faz lembrar de tudo de bom que passei nesse dia e porque me dá a esperança de um dia novinho em breve, no qual eu poderei fazer "tudo o que eu quiser". Gosto da melancolia dos entardeceres, convidando à introspecção da noite, onde nos refazemos para seguir vivendo.

E fui caminhando com meus pensamentos, tirando algumas fotos, sem muita esperança de nada espetacular, pois a Adelaide não dá conta desse recado... essa é missão pra Baronesa, que se fora junto com o meu "Barão". E mesmo que a Baronesa estivesse comigo, eu também não sei se daria conta do recado, porque boas fotos não se fazem só de boas câmeras... e fui pensando no meu fotógrafo favorito, em como ele gostaria de estar ali, em como ele me faria ainda mais feliz se estivesse ao meu lado... e chegando pertinho do fim da caminhada vejo uma mulher da comunidade vendendo água, refrigerantes, chocolates e... Cusqueña! Essa é a cerveja fabricada em Cusco, pela qual o PC se apaixonou! Tenho certeza de que se ele estivesse ali iria soltar alguma exclamação animada que só ele e compraria feliz uma Cusqueña para brindar o por do sol!

Deixei as Cusqueñas pra trás, caminhei até o ponto mais alto, onde é possível ver o outro lado da ilha e aí... bem, e aí você já sabe... aquela paisagem tornou-se inútil de uma hora para outra! O vento gelado só contribuía pra isso e nesse momento sentei num canto, saquei meu caderninho e escrevi um pouco. Ao procurar o lápis na mochila achei um "caramelo de limón" que nos foi dado pelos porteadores da Trilha Inca e fez parte do lanchinho do PC e que ele tinha deixado comigo antes de ir embora... peguei aquela bala, olhei bem pra ela, como a cigana que olha uma bola de cristal e vê, não o futuro, mas o passado. Vi naquela bala cada passo da trilha inca desde o bolso lateral da mochila do PC. Vi a mim mesma rindo e sofrendo naquelas montanhas. E percebi que o vento nem estava tão gelado. Desembrulhei a bala e, como se fosse algum tipo de pílula mágica, coloquei-a na boca, fazendo com que as sensações da Trilha Inca ficassem ainda mais presentes, uma vez que os meus caramelos de limón foram usados por lá mesmo e aquele paladar me fazia viajar no tempo e no espaço.

A volta foi apressada por uma chuva que nos intimidava no horizonte. Chegamos já noite no ponto de encontro com nossas famílias, descansamos mais meia horinha e fomos chamadas para o jantar, que era exatamente o jantar do Cipriano, la na Trilha Inca! A indefectível sopa e arroz com legumes refogados, meio à souté, uma delícia!!!

Eu estava exausta, mas fazia parte da programação uma festa que o pessoal da comunidade faz para os turistas. Nessa festa, cada família veste seus hóspedes com os trajes típicos. Para os homens é simples, um poncho e um chullo (aqueles gorros típicos que cobrem a orelha); já o traje das mulheres é muito mais sofisticado. Quando me dei conta, a decisão de ir ou não na festa já não existia, pois a matriarca da casa estava me cobrindo de panos e amarrando por todos os lados!

Ela era pouco mais alta do que a minha cintura e me escalava para ajustar a roupa, com uma rapidez e agilidade de quem fez isso a vida toda! Uma camisa, finamente bordada à mão, duas saias bem pesadas e devidamente ajustadas na cintura, uma faixa arrematando o cós das saias, que dava três voltas na minha cintura e um manto negro também finamente bordado à mão, para usar sobre a cabeça.

Quando me falaram que a gente se vestiria com roupas típicas pra festa eu achei que fosse algum adereço, alguma brincadeira, mas não! É uma roupa de verdade e muito bonita! Ao terminar de ser vestida, senti o "poder da indumentária" e já não estava mais cansada! Me deparei algumas vezes com esse poder que as vestimentas adequadas tem sobre a gente... preguiça de correr? É só colocar o top, o short e o tênis que o pique vem de brinde! Não está no clima do baile de gala? Coloque o vestido longo, a sandália de salto e faça uma boa maquiagem que a Cinderela aparece no espelho! Está chovendo e tem que fazer trabalho de campo? Basta por o jeans mais surrado, o colete de Indiana Jones, a perneira, a bota e o chapéu, que você irá correndo atrás de suas aventuras! Acho que é por isso que os super heróis tem suas roupas "de briga". O hábito faz grande parte do monge!

A festa estava animadíssima! Duas bandas se alternavam e todos dançavam em roda! Era como uma ciranda, adorei! Aquela pulação toda deu um calor danado debaixo daquele monte de pano e fui ver o céu. Ah, que céééééééu!!! Muitas, muitas, muitas estrelas, como só vira em privilegiados pontos muito distantes de qualquer cidade. O manto negro cobria agora meus ombros; o rosto, voltado para o alto, sentia prazerosamente o frio da noite.

Dançamos um pouco mais e aí sim bateu o cansaço da noite mal dormida e do dia bem andado. Sem negociação possível com indumentária, música, dança ou céu estrelado, nos recolhemos a nossos quartos, não sem antes dar boa noite praquele céu maravilhoso e pra lua que surgia no horizonte! O vento, frio e uivante, não entrava no quarto, que me proporcionou uma revigorante noite de sono.

Desayuno com panquecas e mate de muña e era hora de prosseguir na jornada. A luz da manhã me inspirou algumas fotos e o dia estava, mais uma vez, especialmente bonito.

Uma horinha de barco e estávamos na próxima ilha, Taquile. O passeio nessa ilha é atravessá-la a pé e o barco nos espera no porto do outro lado. O trajeto não é muito difícil, mas começa com uma subidinha considerável... nesse ponto, uma promessa, um juramento: MINHA PRÓXIMA VIAGEM VAI SER TRANQUILAAAAAAAAAAAAA!!! Nada de subidas, muito menos com ar rarefeito; nada de desconforto térmico, muito menos frio; nada de banheiros sujos nem de dormir em barraca; banhos quentes todos os dias, mesmo que esteja calor (só pra ter a opção!); nada também de desconforto emocional... quanto mais pessoas queridas em volta, melhor!

Depois dessa subida tem um "plano peruano", como disse o Alex... a mesma coisa do "plano inca" do Hernan... caminhada agradável, jardins floridos, água cristalina lá embaixo. No alto da ilha tem uma praça, onde encontrei com a moça que veio comigo no ônibus. Gastei um pouquinho do meu inglês com ela, e depois com a australiana do nosso grupo, que estava indo fazer a trilha inca nos próximos dias e queria algumas dicas. Avancei até a página 10 da lição de casa!

O almoço foi num lugar maravilhoso, um terraço com vista de 180 graus pro lago, música ao vivo e omelete com batata frita! Na grande mesa do grupo fiquei separada dos hermanos e interagi um pouco com os gringos, embora o inglês dos irlandeses fosse algo realmente duro de entender pra mim... cheguei na página 14 da lição de casa!

Descemos pro porto e tivemos mais umas 2h30 de barco até Puno. Mais uma vez deu tempo pra tudo: conversar com os companheiros, ler, cochilar...

Chegando em Puno, avancei mais umas duas páginas no caderno de exercícios e perguntei pra Paula se ela tinha um Hostel, porque era 16h e meu ônibus era só às 22h! Ela disse que sim e me convidou pra ir pra lá com ela. Ah, que beleza, um lugar super hospitaleiro (The Walk On Inn), onde tomei um banho delicioso em um banheiro limpo e com cara de limpo por 5 soles! Tinha também internet wi-fi e consegui falar com o Paulo Cesar, dar uma navegada no Facebook e ver as novidades do mundo nos últimos dias.

A Paula comprou a passagem dela pra Cusco no mesmo horário que eu e em seguida fomos jantar. Uma pizzaria muito agradável, quentinha, com preços bons (pizza média, suficiente pra nós duas, por 19 soles). Conversamos bastante, quer dizer, a Paula falou bastante, mas foi ótimo, porque eu entendia quase tudo e quando não entendia perguntava, enfim, diálogo de quem está aprendendo a língua.

Fomos pra rodoviária e agora o bus era semi cama... um pouco mais confortável do que o da ida, mas não consegui dormir bem. Estava quentinha, tinha o Sancho me consolando, não sei o que era... viagens de ônibus, bah!

Chegamos em Cusco umas 5h e como íamos pra lados diferentes fui atrás de um táxi e cheguei em casa amanhecendo (nossa, há quanto tempo não fazia isso, rs...). Tive aquela sensação gostosa de chegar em casa, ao ver meu quartinho bonitinho, com as minhas coisas, o meu banheirinho, rs... dormi um pouco e logo fui pra aula, que começa às 8h30. Era hora de abrir outro tipo de caderno de exercícios...

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Eu comigo e sem você

Hoje é terça e terça é dia de Aralume! Vou dar um tempo nos relatos de viagem, fazendo também um intervalo entre a parte que fiz com o PC, a Thássia e o Lelo e a parte que fiquei por minha conta (duas semanas cada). Ainda há muito o que relatar e o que escrevo agora é claro que foi desencadeado pela viagem, mas vou me ater apenas a um aspectro mais sutil...

Frequentemente tenho meus sentimentos traduzidos por canções. Nesses momentos sempre lembro do Milton Nascimento dizendo "certas canções que ouço, cabem tão dentro de mim, que perguntar carece: como não fui eu que fiz?!". Recolho-me à minha insignificância e nem chego a me perguntar "como não fui eu que fiz", rs... mas que elas cabem tão dentro de mim, ah, isso cabem!

E mais um episódio desse se passou no fim de semana, quando eu estava no alto da montanha mais alta das ilhas do Lago Titicaca. Montanha que leva o nome da "mãe natureza", Pachamama.

Faz um tempo escrevi um texto aqui no Aralume, dizendo que se eu pudesse ter só um artista no meu iPod, esse artista seria o Gilberto Gil (relembre aqui). Mas se a situação hipotética fosse ainda mais cruel e me fosse permitido ter apenas um disco no iPod, esse disco não seria do Gil, mas sim o "Elis & Tom"! Segundo o Mr. Google, o álbum foi lançado em 1974 e é considerado um dos mais importantes da Música Popular Brasileira.

Sou fascinada por esse disco, que une gênios como Tom, Vinícius e Chico, na voz e interpretação arrepiantes da Elis, acompanhada por músicos de tirar o chapéu. São 14 músicas, iniciando com a imortal Águas de Março, seguindo por desilusões amorosas e reencontros felizes.

Claro que as músicas que falam das desilusões amorosas são as mais lindas, as mais profundas, as mais contundentes... e eu, que nunca tive desilusões amorosas, quase tenho vontade de ter, só pra poder curtir uma fossa ao som de "Pois é" e "Retrato em Branco e Preto".

Mas esse fim de semana me deparei com um jeito de curtir uma fossa ao som de "Elis & Tom", sem precisar de nenhuma desilusão amorosa... e é esse episódio que quero contar.

Imagine-me fazendo minha primeira viagem solitária, pelas ilhas do Lago Titicaca. Éramos um grupo de 16 turistas, dos mais variados países (felizmente mais nenhum brasileiro, pra eu não incorrer na tentação de ficar falando português!). Um guia muito simpático, dia de sol, comida boa, recepção fraterna por uma família local.

O pernoite foi na Ilha Amantaní, onde fica o ponto mais alto das ilhas do Lago Titicaca, a montanha Pachamama, e o programa mais especial do tour era subir nessa montanha para ver o por do sol.

Lá fomos nós, por uma caminhada linda e agradável, embora sempre acima dos 4.000 m de altitude, culminando em 4.200 m. As luzes e cores do fim do dia eram realmente lindas. Até que me enturmei bem no grupo, que tinha uma colombiana e um casal de argentinos, muito simpáticos, mas preferi fazer o caminho mais sozinha, mesmo porque não dá pra ficar tagarelando nesse tipo de empreitada morro acima com oxigênio escasso.

Estava muito gostoso caminhar sozinha com meus pensamentos - eles geralmente me agradam :)

Até que chegamos ao cume, que tem, obviamente, uma vista arrebatadora do lago e as montanhas que o envolvem. Uma imensidão, muita água, o sol "pertinho".

E sabe o que aconteceu nesse momento?! Surge a Elis e despeja sobre a minha cabeça, simplesmente e sem nenhum aviso prévio, "Inútil Paisagem".

Meu corpo foi tomado por essa música de um jeito, que eu não consegui nem tirar uma foto, tamanha era a "inutilidade" daquela paisagem...

Segue a letra pra você relembrar, mas se tiver 3'39'' sobrando, me faça um favor: ouça a música! Se não tiver aí no iPod ou CDteca, gaste uns segundinhos a mais e busque no You Tube.

E assim a viagem me brinda com mais uma experiência inédita, essa sem planejamento prévio: curtir uma fossa ao som de "Elis & Tom".

Mas pra que
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem
Pode ser
Que não venhas mais
Que não voltes nunca mais
De que servem as flores que nascem
Pelo caminho
Se o meu caminho
Sozinho é nada

É nada
É nada

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Bolívia & Peru - Diário de Bordo: Ep. 7 - Cusco, muito mais do que um "pit stop"

Voltemos então um pouco na cronologia da viagem. Ao contrário de outras "cidades de apoio", como Uyuni para o Salar, Copacabana para a Isla del Sol e Puno para as ilhas do Lago Titicaca (como veremos à frente), Cusco não merece ficar apenas como coadjuvante.

A cidade é linda, tem praças com jardins bem cuidados e um casario muito pitoresco no centro histórico. Hotéis, restaurantes e lojinhas que atendem do hippie ao yuppie, inclusive em termos de orçamento, é claro.

Nossa hospedagem foi o Hostal Teatro Inka, que fica muito bem localizado, tem seu charme e quartos confortáveis a preços acessíveis (US$ 35,00/dia/quarto de casal). Tivemos um pequeno contratempo com a reserva feita pelo site Hostels Club e na primeira noite tivemos que ficar os quatro no mesmo quarto, mas no fim deu tudo certo.

Informação curiosa: até a volta da Trilha Inca nós não tínhamos dormido duas noites no mesmo lugar! Foram 14 noites, uma em cada lugar!!! Até que a décima quinta foi no mesmo quarto e depois já voltamos à vida cigana, pois o pessoal foi embora e eu fui para um hostel mais baratinho, já que seguiria sola.

Foi em Cusco que descobri uma bebida apaixonante: chicha morada! É um refresco feito com milho roxo e "temperado" com limão, cravo, canela, abacaxi. Delicioso, saudável e mais barato do que qualquer outra bebida. A melhor que tomei foi na pizzaria Marengo (que tem uma ótima pizza, por sinal!).

E por falar em turismo gastronômico, acompanhei meus amigos na empreitada de comer um bom ceviche. Pra começar, fomos alvo de chacota dos funcionários do Hostal, porque eles queriam comer ceviche à noite. Primeiro aprendizado sobre uma das comidas mais típicas peruanas: ceviche come-se no almoço!

Ok, no dia seguinte fomos ao restaurante Las Machitas, que fica fora do epicentro turístico da cidade e é frequentado principalmente por peruanos. Segundo eles o ceviche estava muito bom... eu não provei, é claro, pois não como nenhum tipo de carne.

Confesso que um vegetariano não tem muito o que fazer em uma cevicheria, fora acompanhar os amigos. TUDO é feito com peixes e frutos do mar... quando pedi um arroz branco com mandioca frita (surpresa boa!), já me preparei para as piadinhas do garçon, mas (outra surpresa boa) ele foi muito atencioso e me providenciou uma salada, que não estava no cardápio! Mais um ponto para o tratamento aos vegetarianos no circuito Bolívia/Peru!

Outro um lugar digno de nota no quesito turismo gastronômico é o Incanto, que fica pertinho da Plaza de Armas (Calle Santa Catalina, 135). É um restaurante grande, sofisticado e elegante. Os garçons tem um uniforme bonito e o que nos atendeu era extremamente educado e atencioso e "muy guapo" também :) A comida, divina! Comi um tralharim ao funghi que estava espetacular. A chicha morada não bateu a do Marengo, mas estava boa. A Thássia pediu uma limonada com gengibre e hortelã que estava dos sonhos! É claro que é um pouco mais caro, com pratos entre 30 e 40 soles, mas vale cada centimo!

Não fizemos muita coisa em Cusco, a não ser conhecer restaurantes, passear pelas lojas especializadas em material de camping e treking (que, confesso, me decepcionaram um pouco... não achei nada demais), passear pelas lojinhas de "artesanias", trocar dinheiro e brigar com os caixas eletrônicos! O cartão do Lelo ficou preso em um (aqui ainda tem daquelas terríveis máquinas que engolem o cartão), mas foi só um susto, pois depois de alguns minutos tentando ligar no banco e dando uns chutes na máquina (brincadeira!), ela vomitou o cartão. O PC teve problemas para sacar no Banco do Brasil e depois descobriu que só se pode sacar 100 soles por vez, com uma tarifa de quase 10%. Um abuso!!!

Na volta da Trilha Inca ainda tivemos mais um dia juntos em Cusco e eu e o Paulo Cesar fomos conhecer o Museo de Plantas Sagradas, Mágicas y Medicinales, que nos chamou a atenção em nossa primeira andada pela cidade, mas estava fechado por ser 01/01.

Para entrar paga-se 15 soles e o museu é muito bonito e bem montado (Calle Santa Teresa, 351). Há uma sala enorme só sobre a Coca, há salas também sobre o cactus San Pedro, o Ayahuasca e o Tabaco, além de exposições sobre muitas outras plantas. A visita pode ser um pouco cansativa, pois tem muita coisa para ler, mas se o assunto te interessa, vale a pena. Veja algumas anotações que fiz por lá:

"Segundo a cultura tradicional andina, uma perfeita saúde depende de dois conceitos, que tem a ver com o indivíduo e com a comunidade:
- estar bem: envolve um equilíbrio físico e emocional segundo sua idade e sexo;
- viver bem: viver de acordo e com estrito cumprimento dos princípios éticos da vida comunitária.
Para que uma pessoa esteja sã, a comunidade deve estar também."

Isso está dentro do contexto das plantas medicinais, sagradas e mágicas, que, conforme o conhecimento e aplicação dos curandeiros, ou xamãs, ajudam as pessoas a encontrarem seu equilíbrio interno e também com a comunidade.

Na sala sobre a Coca li um texto muito bonito, que reproduzo abaixo, mas em espanhol, porque o fato do substantivo "árvore" ser masculino nessa língua é importante para o contexto:

"Los árboles son los hombres y las mujeres somos la tierra y la frondosidad de los árboles depende de la fertilidad de la tierra. Y no se puede haber una tierra fértil sin la sombra de la frondosidad de los árboles. Todos somos importantes, todos somos necesários, hombres y mujeres (...). La coca es la única planta femenina. La portan solo los hombres, como una forma de complementariedad."

Conforme a visita ao museu ia avançando, fui tendo algumas reflexões sobre essas plantas mágicas e sagradas, principalmente as alucinógenas. Essas plantas são apresentadas dentro de um contexto lindo, da sabedoria dos xamãs, que "conversam" com as plantas, administrando-as de forma incisiva e para objetivos muito específicos.

Tenho a impressão de que quando uma ponta de iceberg desse conhecimento caiu nas mãos do "homem branco", ele se deslumbrou e ficou emaranhado na superficialidade de sensações psicofísicas convidativas... e só. Na verdade, antes fosse "e só"... não foi. Os poderes mágicos e sagrados não estão presentes sem a orientação de um xamã e restam apenas os poderes mais densos, por assim dizer. É outra coisa! O fato de tomar uma beberragem de uma "planta sagrada" não faz com que esse seja um ritual sagrado e com objetivos de cura.

Mas aí vem a pior sensação: a de que esse conhecimento ancestral desses xamãs possa estar perdido para sempre. Minha ponta de esperança é que esse conhecimento esteja muito bem guardado dentro da comunidade; é que exista algum mecanismo que proteja esse conhecimento da banalização que nós, brancos, acabamos por ocasionar. E com isso vem uma pontinha de tristeza, por não pertencer a uma comunidade rica e profunda, em sintonia com as leis e forças da natureza; um ponta um pouco maior de tristeza por me perceber pertencente a uma comunidade nociva e destrutiva.

A visita ao museu me fez lembrar, obviamente, do livro A Erva do Diabo, que li quando era adolescente e que foi uma das referências que me fez querer muito ter um mestre. E você deve saber que agora eu tenho. Embora eu ache fascinante o mundo das plantas (não é a toa que sou engenheira florestal!), fico também um pouco aliviada por essa filosofia que eu escolhi não fazer uso de nenhum tipo de substância externa ao corpo para o desenvolvimento do praticante ;)

Esse papo também lembrou do Dia do Curinga, que fala de uma substância misteriosa, poderosa e perigosa... talvez uma forma sutil de fazer os adolescentes repensarem a relação com as drogas...

Enfim, isso tudo me faz ter a certeza de que esse universo lindo e poderoso das plantas mágicas e sagradas não é pra mim... se o conhecimento ancestral está preservado, ele não chegará a mim e, se chegar, é porque não está preservado e certamente está deturpado. Entende?!

Claro que me sinto meio triste... eu queria ser uma índia, queria ter um xamã, um pajé, queria conversar com as plantas e com os animais, queria viver sob o relógio da natureza, sob as ordens expressas e indiscutíveis de Pachamama. Mas também só queria viver nesse cenário se não tivesse nenhum homem branco por perto, porque a gente é fueda pra carajo!

Bem, vou buscando meus oásis na selva de pedra... vou tentando aprender com essas sabedorias que, se não estão disponíveis por completo, deixam-nos revelar conceitos que podem ser úteis. E busco principalmente dentro de mim, porque acredito que índios e brancos somos feitos do mesmo material... e lá no fundo, no cerne, somos iguais!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Bolívia & Peru - Diário de Bordo: Ep. 6 - Camino Inka: de quem foi a ideia mesmo?!

Vou dar um pequeno salto de dois dias aqui. É que chegamos em Cusco no dia 01/01/2012 e começamos a Trilha Inca no dia 03/01. Cusco merecerá toda uma série exclusiva, então vou direto ao assunto da trilha e depois vou escrever com mais detalhes sobre essa cidade encantadora!

Bueno, enfim chega o ponto alto da viagem! Desde o início, cada lugar por onde passamos foi extremamente especial, com paisagens e histórias únicas, mas tudo parecia que era um treinamento pra Trilha Inca! E realmente em muitos aspectos foi... como a atenção com o peso da bagagem, os detalhes de higiene e segurança, os impermeáveis, a resistência física... não que todos esses quesitos tenham recebido nota 10 durante a trilha, mas se não tivéssemos tido todos esses treinamentos prévios, certamente ficaríamos "com nota vermelha".

Na saída pra trilha aconteceu algo que eu sempre achei a maior bobagem de falta de atenção, que ocorre sempre no Brasil nas mudanças de horário de verão, mas nunca tinha acontecido comigo: esqueci de ajustar o relógio do iPod pro fuso de Cusco e acordamos 1h mais cedo! Claro que só fui perceber quando estava pronta, indo tomar o café da manhã e estava tudo quieto, escuro, fechado... olhei no relógio de pulso e percebi a mancada! O PC ainda conseguiu dormir um pouco mais, mas eu fiquei "facebookeando"... eram 5h...

O nosso guia, Hernan, nos pegou no hotel às 6h30, como combinado. De cara um ponto positivo: o ônibus. Um microônibus novinho, espaçoso, limpinho. Tinha mais um grupo de três brasileiros, mas que estavam indo fazer a trilha de um dia (L). O nosso grupo era só a gente mesmo.

Umas quase 2h de viagem, com paisagens rurais muito bonitas, muito milho, batata, quinua, casas de adobe com uns tourinhos no telhado e enfim chega-se a Ollantaytambo, onde compramos as últimas bugigangas, como bolsinhas porta-garrafa, cajados e folhas de coca. O vilarejo é bem charmoso e deu vontade de passar um tempo por lá... só não sei quando!

No caminho fomos pegando os "porteadores", que são os homens que montam e desmontam as barracas, fazem a comida e carregam tudo isso! Mais um pouco de estrada e chegamos no começo da trilha, onde todos arrumam as bagagens. Recebemos nossos sacos de dormir e isolantes (que eles chamam de colchonetes, mas não passa de um EVA com uma capa). Embora soubéssemos que receberíamos esses equipamentos, não foi fácil organizar tudo na mochila, mas no fim deu certo.

Aí vem o Hernan pesar cada mochila. A minha ficou com 11 kg, a do PC e a do Lelo com 12 kg cada e a da Thássia com 8 kg. O PC ainda estava com a Baronesa, linda e poderosa, mas pesada, e quase se arrependeu de levá-la...

Começamos a trilha às 10h e o tempo estava muito bom, sem chuva e um pouco nublado, o suficiente para não fritarmos ao sol. Depois de só duas horinhas já tivemos a parada para o almoço. Outra surpresa boa! Mesa com toalha, banquinhos, pratos, copos e talheres de metal, guardanapo, um luxo!

De entrada teve torradinhas e sopa, depois um macarrão com molho de tomate muito gostoso e chá de coca. Caminhamos mais umas 3h até o acampamento e, como bem disse o Hernan, esse primeiro dia foi só para aquecer os motores. Caminhadinha tranquila, com poucas subidas, tempo agradável. Já começamos a ver algumas ruínas pelo caminho...

Os porteadores saem depois e chegam primeiro. E carregam MUITO mais peso e usam umas sandálias e as mochilas são improvisadas. Sempre o acampamento já está montado quando chegamos! O pernoite do primeiro dia é num povoado (não me pergunte o que aquele povo faz lá naquele fim de mundo!) e tem até banho com água quente por 5 soles! Não pensei duas vezes e tomei um banhão, até lavei o cabelo. Tudo muito rústico, um preguinho pra pendurar uma sacola, um chuveiro e só. Uma fresta na porta que deixa entrar um vento frio, lembra que você está nos andes!

Depois do banho a equipe nos esperava com chá e pipoca, a coisa mais fofa! Descansamos um pouco nas barracas (agora, olhando pra trás, depois de tudo que passou, fico me perguntando: "descansamos de quê?!?!") e logo já estava na hora do jantar. Todas as refeições começam com uma sopinha. Depois teve arroz e uns legumes grelhados, muito saborosos. Sempre tem também o ají, que é um tipo de vinagrete apimentado, uma delícia. Ah, eles usam muito coentro também (cilantro), mas não foi um problema...

Depois do jantar, um chazinho de "muña", um tipo de menta nativa, que eles pegaram pelo caminho. O céu estava estrelado e as montanhas em volta, muito altas, formavam um ninho escuro e protegido.

Impossível não refletir sobre o fato de que tínhamos uma equipe de 6 pessoas para um grupo de 4! Cinco porteadores mais o guia...

No segundo dia de caminhada a alvorada é às 5h30. Sabe como eles nos acordam? Um dos porteadores vem até a barraca e pergunta se a gente quer um "mate de coca". É muito bonitinho. Arrumamos as coisas, tiramos as mochilas das barracas para que eles as desmontem e vamos pro desayuno que, é claro, já está na mesa. Panquecas, pão na chapa, mingau de aveia!!!

Às 7h começamos a jornada do famoso "segundo dia da trilha inca". Famoso pra quem já fez ou já leu algo a respeito... o lance do segundo dia é que é são 5h direto só de subida! Falando assim não tem como passar a magnitude do que isso representa... vou tentar um pouco a seguir, mas pra saber, só fazendo mesmo...

A primeira metade da subida transcorreu muito bem. Cheguei a ter a ilusão de que não me depararia com grandes desafios. Claro que era difícil. Nessa altitude, qualquer esforço faz os batimentos cardíacos acelerarem muito; com esse peso nas costas, nenhum caminho é suave. E a subida é realmente íngreme, com uns degraus de pedra super altos. E só subida... não tem um planinho, uma descidinha, é só subida!

Nessa primeira metade não estava chovendo. Cheguei a ter a ilusão de que não choveria...

Depois de mais ou menos 2h30 de caminhada paramos para um descanso e eu estava me sentindo totalmente bem. Fiz uns alongamentos, respirei de forma profunda, ah, que prazer por estar naquele lugar!

Comemos o lanchinho que os porteadores nos deram (esse dia tem uma caminhada mais esticada e o almoço é já no acampamento final, então rola um lanchinho) e pé na trilha. Não tardou muito e começou uma chuvinha fina... coloquei o "poncho" que comprei de última hora em Cusco e estava tudo bem...

Mais um pouco e a chuvinha aperta, então coloco também a minha capa de chuva, com o poncho por cima, cobrindo inclusive a mochila, mas não coloco a calça impermeável. Grande erro! A água escorria do poncho e molhava dos joelhos pra baixo... além da chuva, fazia frio, muito frio... outra ilusão que tive quando me disseram que nessa época chovia muito é que seriam "chuvas de verão", do tipo, chove e abre sol... não, não e não! Não é assim!!!

Conforme a trilha vai subindo, vamos entrando no "reino das nuvens". Parece que não existe mais céu, só nuvem. TUDO é branco, tudo é molhado, tudo é frio. As mãos geladas, o rosto gelado, as pernas geladas (bem feito, com calça impermeável na mochila!). Logo sinto também os pés gelados... a fucking bota impermeável não é assim tão impermeável... a do PC molhou mais ainda e ele fez um video que logo vamos divulgar... as duas da Timberland, modelos diferentes, mas ambos "waterproof"... waterproof pras nêga deles! Pelo menos as botas Snake da Thássia e do Lelo deram conta do recado!

Nesse ponto da trilha rolou um desespero. O "diabinho" no meu ombro dizendo que aquilo era um programa de índio burro, que todos tinham avisado que seria a maior roubada, que eu poderia estar na praia e no entanto estava ali pagando pra sofrer. Mas o "anjinho" no outro ombro me consolava, dizendo que aquilo era exatamente o que eu queria, que meu principal objetivo com aquela trilha era testar meus limites, era expandir meus limites, era me observar frente a situações extremamente adversas.

E era mesmo. Por isso sempre digo: tenha cuidado com o que pede, porque é exatamente isso que você vai ter. A peregrinação foi longa o suficiente para que eu pudesse analisar cada intenção que tinha me levado àquele lugar, que tinha me colocado naquela situação. Se houvesse a opção de parar tudo, eu teria parado. Se fosse um simulador, se tivesse uma porta de escape, eu teria falhado, eu teria desistido, eu teria fracassado.

Mas desistir e fracassar nunca foram uma opção, simplesmente porque não dava. Era "lutar ou morrer", literalmente. Se eu desistisse ali, no mínimo, iria dar trabalho pra muita gente e colocaria, no mínimo, a minha vida em risco. E isso tudo é sério. E isso tudo passou pela minha cabeça.

A cada vez que eu levantava o rosto para olhar a continuação da trilha via pontos coloridos lááááá no alto da montanha. E quando eu achava que tinha chegado no alto, era apenas uma curva ascendente e lá estavam mais pontinhos coloridos lááááá no alto, para meu desespero.

Só que tudo termina e finalmente a subida terminou. Não teve comemoração, não teve foto. Eu sentia tanto frio, tanto cansaço, que na hora nem pensei que estávamos no ponto mais alto da trilha, com 4.200 m de altitude. O PC estava bem molhado e resolveu trocar de camiseta. Num gesto impensado e impulsionado pelo extremo frio, calculou mal a distância que estava de mim e me deu uma baita de uma cotovelada logo acima do olho direito... foi a gota que faltava para que eu irrompesse em lágrimas soluçantes.

Chorei, chorei tanto que senti contrações abdominais e até achei que fosse vomitar. Naquele momento o mundo desapareceu e tudo era uma escuridão fria, doída e solitária. Um ponto de lucidez, no entanto, me fez respirar e entender que se eu não parasse com aquilo e me pusesse a caminhar, não chegaria nunca em um lugar quente e seco.

Comi um chocolate e lá fomos nós, agora trilha abaixo por mais 1h30... fez as contas? 6h30 de caminhada quase que ininterrupta, das quais 4h30 com chuva e muito frio. De quem foi a ideia mesmo?!

Logo que começamos a descer o Hernan nos alcançou. Ele andava num ritmo mais lento, ficando por último no grupo, mas às vezes acelerava um pouco pra ver como estavam os da frente. Sempre que nos via, perguntava como estávamos, chamando cada um pelo nome e com um real interesse em saber, muito atencioso.

Ao nos encontrar nesse ponto, no começo da descida, ele olhou bem pra mim e falou: "Carolina, eres muy fuerte!". Eu já tinha dúvidas se realmente era, mas quando ele falou eu entendi que era mesmo! Do ponto de vista físico, não tinha do que me queixar. Estava sim com frio, mas sem dores fortes. Ficava às vezes um pouco ofegante, mas de forma geral consegui manter um bom ritmo. Do ponto de vista emocional, balancei, como já disse, mas a mente segurou bem a onda e fomos conversando o caminho todo (eu comigo mesma!). Si, amigos, soy muy fuerte!

Na descida a chuva abrandou um pouco e até vislumbrei a possibilidade de me sentir bem. Tinha alucinações com um ofurô cheio de água muito quente, dentro de uma sala de banho linda, limpa e perfumada. Alucinações.

E foi nessa descida que vi uma cena que eu definitivamente não gostaria de protagonizar: uma moça tremendo e cambaleando se senta na trilha e recebe ajuda do guia, passamos por eles e logo em seguida passa por nós um porteador correndo com essa moça nas costas escadaria abaixo. Provavelmente ela teve hipotermia e por sorte tinha um porteador voltando e estávamos perto do acampamento. Ela deve ter ficado boa, pois não soubemos outras notícias e notícias ruins sabe-se sempre.

Ao chegar no acampamento tomei o meu delicioso banho de lenços umedecidos, coloquei roupas secas e fomos almoçar. A Thássia e o Lelo chegaram pouco depois de nós e a mesa do almoço foi uma verdadeira euforia, cada um contando suas agruras, todos um pouco adrenalizados pelo feito. Era engraçado perceber como todos estávamos muito cansados, como tínhamos passado por situações realmente extremas, mas ali, naquele momento, éramos só sorrisos e exclamações.

Dormimos um pouco, com uma chuvinha agradável que se restringia ao lado externo da barraca (ufa!). Aproveitei também para escrever e registrar as impressões "frescas" da odisséia (caso contrário esse texto seria muito diferente...). PC diz: "escreve aí que eu tô cansado?".

O grande companheiro de caminhada foi, definitivamente, o cajado que compramos por 3 soles em Ollantaytambo. Há que se aprender a andar com três pernas e vale a pena. Chocolates são indispensáveis, para alimentar o corpo e "a alma", porque o conforto do doce faz milagres.

Mas o grande aprendizado do dia foi estar atenta para sentir o desespero chegando e não deixar com que ele se instale. Algo como: "olá desespero, como vai?" e depois: "ok, já deu suas caras, agora pode ir embora".

Dormi mal, não tinha sono, senti frio nos pés e tive que levantar às 2h da madruga pra fazer xixi. Ah, o xixi da madrugada nos acampamentos! Já falei sobre isso aqui no Aralume, mas esse, sinceramente, eu dispensaria. Uma névoa densa, tudo molhado, tudo escuro, tudo frio... e lá fui eu, mas foi bom porque depois consegui dormir um pouco.

O primeiro pensamento que tive, logo que acordei, no terceiro dia do Camino Inka foi: "meus pobres ossos, velhos e cansados, doem". Meus quadris ficam realmente castigados quando durmo em superfícies duras... e o corpo todo meio doloridão pela caminhada puxada do dia anterior...

O PC também está muito cansado e resolve que vai dar a mochila dele para um dos porteadores levar.

Tivemos um café da manhã espetacular, com um omelete delicioso, além de pão, manteiga, geleia, chá, leite, café. É tão bonitinho como os porteadores nos tratam... eles são tão cuidadosos... no começo eu fiquei com pena deles, por carregarem tanto peso, por não terem sapatos e agasalhos adequados, por terem que andar tão rápido... mas agora penso que eles devem ter um sentimento parecido em relação a nós, do tipo, "coitadinha dessa moça, tão fraquinha".

A primeira parte desse dia também é de subida, mas agora "só" 1h30. O pior é que nesse ponto andávamos em fila indiana, pois todos os grupos saem juntos e a trilha fica meio congestionada até os ritmos se estabelecerem e ser possível ter um certo espaço entre as pessoas.

Mais uma vez a cada curva eu tinha a sensação ilusória de que a subida havia terminado. Fica a impressão de que 1h30 é pouco, que vai passar rapidinho, mas não é bem assim...

Nesse dia monta-se um acampamento para o almoço e depois segue-se até o acampamento final, com umas 9h de caminhada ao todo. Esse almoço teve até sobremesa! Mazamorra morada, que é feita de milho roxo e parece um sagu, só que sem as bolinhas. Eu gostei.

Como sempre, antes de começar a caminhada perguntamos pro Hernán quanto tempo iremos caminhar e se terá subida. Dessa vez ele diz que tem pouco tempo de subida e depois "és más o menos asi", diz ele, inclinando a mão uns 20 graus. "Es el plano inka", ele diz e todos rimos!

Depois do almoço o PC carrega um pouco a minha mochila e é realmente muito bom andar sem peso nas costas. O relevo fica mais suave e dá até pra tirar umas fotos (existe um vácuo engraçado na cronologia das fotos!). Chove bastante, tudo branco e dá a impressão de que nunca mais voltaríamos a ver um céu azul e sentir o calor do sol na pele. Pelo menos agora estou com todos os impermeáveis e há um pouco mais de conforto. Fazemos uma parada para descansar e observar a vista e somos presenteados com um arco iris! Adoro arco iris! Pego novamente minha mochila e seguimos.

Chegamos ao acampamento debaixo de chuva e o Hernan pergunta se queremos um chá. Eu pergunto se tem pipoca e ele já solicita pro Cipriano, o chef. Daqui a pouco chegam uns pastéis de queijo que você não acredita! E pipoca também e "galletitas" e chá e café com leite. Mordomia pura!

Só que aqui recebemos "una mala notícia". Houve um desmoronamento que bloqueou a trilha. Alguns grupos decidem seguir para Águas Calientes, mas nós não conseguíamos nem pensar em colocar a mochila nas costas àquela hora. De qualquer jeito, o dia seguinte seria diferente do planejado... ao invés de caminhar 1h30 e ver Machu Picchu do alto ao amanhecer, teríamos que caminhar 3h até Águas Calientes e subir até MP de ônibus... o que não tem remédio, remediado está e na hora nem me dei conta da magnitude dessa mudança.

Tomamos coragem e fomos pras barracas, debaixo de chuva. Mais uma versão do banho de lenços umedecidos, roupa seca, organizo as coisas, escrevo um pouco. Vamos pro jantar, mais por tédio do que por fome, e eis que surge um verdadeiro banquete!

Como era a última refeição, os porteadores fizeram tudo o que tinha na cozinha e rolou até uma pizza de cheddar! Teve também batata frita e um monte de outras coisas. É de praxe que no jantar do último dia se façam os agradecimentos recíprocos e se dê uma gorjeta aos porteadores.

O Hernan fez um pequeno discurso, dizendo que eles agradeciam muito a nós, porque trabalhar na trilha é uma importante fonte de renda para eles. Também agradecemos todo o cuidado e atenção que eles tiveram com a gente e entregamos a gorjeta.

Lá vamos nós para a nossa última dormida na trilha, sabendo que a alvorada seria às 3h30!!!

Chove muito durante a noite e meu primeiro pensamento no quarto dia do Camino Inka é: "Noé, cadê a arca?!". Levantamos cantando todas as músicas que sabíamos para Santa Clara e não é que deu certo?! Parou de chover bem na hora que precisamos sair das barracas!

Levantamos mesmo às 3h30 e era um cenário de filme de guerra aquelas pessoas apressadas, com lanternas de cabeça, no meio da chuva, uma certa lama, recolhendo barracas, arrumando mochilas e se pondo para caminhar no escuro.

Andamos mais de 1h no escuro, até que começa a clarear e vislumbramos até pontos de céu azul. As cores do amanhecer estavam muito bonitas e nessa hora deu um aperto no coração: era para estarmos chegando na Porta do Sol e vendo Machu Picchu... não era, na verdade, porque não foi.

Como bem disse o PC, é um motivo pra voltar... eu, que no segundo dia não podia nem pensar na possibilidade remota de fazer aquela trilha de novo, agora quero fazê-la novamente sim, mas em um período sem tanta chuva, para curtir as paisagens e poder ouvir com atenção as histórias de cada ruína.

O caminho alternativo, devido ao desmoronamento, foi uma descida bem íngreme até a linha do trem e depois caminhar pela linha do trem até Águas Calientes. A Thássia estava com muita dor nos joelhos e fomos bem devagar. Nesse momento pensei que o treino de corrida que fiz foi uma boa preparação, não só pelo fôlego, mas pelos joelhos também... claro que trabalho bastante joelhos e musculatura associada nas práticas de Yôga, mas o impacto da corrida tem um outro tipo de solicitação... enfim, há que ter joelhos em dia, rs...

Fazia um lindo dia, sem chuva, com sol e céu azul. A mochila estava mais leve, pois os porteadores levaram os sacos de dormir e isolantes (e isso faz uma baita diferença!). Ao chegar na linha de trem o caminho era realmente plano (nem "plano inka" não era mais, rs...). Enfim, condições tranquilíssimas.

Mas foi aqui, meus amigos, nesse trecho, que me deparei com meu maior desafio. O desafio de aceitar a situação. De não ficar pensando "como teria sido se...". De caminhar devagar pra acompanhar o grupo. Ah, como é difícil isso pra mim!

Como sempre, fui dialogando comigo, fui observando os sentimentos e provendo clareza para não deixar as emoções dominarem. Aproveitei o ritmo mais lento para tirar fotos. Mas chega uma hora que não tem mais novidade e as fotos ficam iguais. Saquei umas guloseimas da mochila e mais uma vez o "Santo Chocolate" dá um alento. Mas é passageiro também.

Como dizem os velejadores, provavelmente tenha aprendido isso com o Amir Klink, não são as tempestades, mas sim as clamarias, os grandes perigos do mar. E lá estava eu, em meio a uma calmaria tediosa, que oferecia um sério risco ao meu bom humor.

Eis que então me lembro do Sancho, meu fiel escudeiro e ah, luz no fim do túnel! Peguei o iPod, fones e dá-lhe Milton Nascimento! "Com sol e chuva, você sonhava..." e por aí vai... "você pega o trem azul, o sol na cabeça"... E TUDO ficou bem. Assim, num passe de mágica tecnológica.

Por mim teria caminhado mais uma hora, mas chegamos a Águas Calientes. Tentamos trocar nosso bilhete de trem pra um horário mais cedo, mas não rolou. Tomamos um "brunch" às 9h (lembre-se que o café da manhã foi às 3h30!) e entramos no ônibus pra Machu Picchu.

Bem decepcionante essa parte da viagem, confesso. Além do que era estranho estar naqueles trajes de Trilha Inca, sem banho há três dias, botas úmidas e elameadas, e junto com os tiozinhos e tiazinhas gringos todos emperequitados em sua indumentária "vou conhecer Machu Picchu".

O Hernan fez um tour com a gente, contou algumas histórias, explicou a organização do santuário, mostrou os pontos principais. É sim impressionante, principalmente a parte do Templo do Sol, que tem as rochas polidas e perfeitamente encaixadas, mas minha atenção sempre se voltava para as montanhas. Era interessante, porque várias vezes eu me pegava olhando para as montanhas, enquanto o alvo da explicação estava na direção oposta.

Esses incas realmente escolheram a dedo o lugar dessa construção misteriosa. A paisagem é hipnotizante.

Logo veio uma chuva, tudo nublado de novo e aí me deu um enorme tédio daquela paisagem branca e cinza. Descemos para pegar o ônibus de volta, tinha fila, tinha chuva, tinha muita gente, tinha estadunidense folgado furando fila, fui ficando muito enjuriada.

Mais uma vez me concentro nos diálogos internos e vou recobrando o equilíbrio. E eu que pensei que os maiores desafios tinham ficado pra trás...

Passamos algumas horas meio à toa em Águas Calientes, onde tudo é muito caro. Mas mesmo assim compramos uns artesanatos e no meio da feira vejo um cachorro muito parecido com o Pajé. Ah, como esse destino maltrata meu coraçãozinho! Fico um pouco com o cão, tentando matar a saudade do meu Preto.

Na estação de trem há banheiros decentes, coisa que eu já estava até esquecendo como era. A estação estava uma muvuca só e ali não me senti deslocada pelos meus trajes, pois era o horário que a galera da trilha geralmente volta e estava um pior que o outro, rs...

A viagem de volta foi muito cansativa pra mim. Tanto o trem quanto a van que vai de Ollantaytambo a Cusco. Fui semidormindo a viagem toda, realmente exausta, mas sem conseguir descansar.

Chegamos no hotel umas 23h, tomei um banho que não foi dos melhores (fiquei brigando com o chuveiro, ora muito quente, ora muito frio) e caí na cama sem nem olhar pro lado. Nesse final de viagem, desde o trem, não teve conversa interna que desse jeito no meu humor. Sucumbi mesmo. Acho que tem a ver também com aquela relaxada que a gente dá quando "está acabando", mas que na verdade é uma grande cilada, pois, como já dizia algum sábio futebolístico: "o jogo só termina quando acaba!", hehe! O fato de "estar acabando" não quer dizer que já acabou, muito pelo contrário, é justamente o momento mais crítico, porque o cansaço está acumulado, o pavio está curto e não há mais o combustível da expectativa.

Mas é isso, amigos. Se você quer se por à prova e empreender uma jornada séria de autoestudo, faça a Trilha Inca no verão. Mas se você quer curtir as paisagens e chegar em Machu Picchu pela Porta do Sol, escolha outra época. Como meus objetivos tinham mais a ver com a primeira opção, considero que a viagem foi um sucesso! ;)

Nota para os swásthas:
Se não fosse o SwáSthya, não sei o que teria sido de mim nesses dias, então compartilho algumas experiências, que só vai entender quem pratica e estuda ;)
Algo que "descobri" nos meus treinos de corrida e apliquei incessantemente na Trilha Inca foi a execução de kírtans em manásika. Ajuda demais a manter a concentração, um ritmo e todos os efeitos que os kírtans proporcionam, muito desejáveis nessas situações.
Pránáyáma também é fundamental, tanto caminhando quanto nas paradas. Durante a caminhada tive que abrir mão do ajuste peitoral da mochila, para não atrapalhar o madhyama pranáyama. Nas paradas era muito bom fazer bhástrika, para aquecer e energizar.
Durante as penosas horas do segundo dia de caminhada pensei muito nos yamas e niyamas, mas principalmente nos niyamas. O observância de sauchan traz conforto físico, de santôsha, conforto emocional; tapas, o mais óbvio de todos, onipresente; swadhyaya: a natureza como escola e as situações extremas como professoras; íshwara pranidhana é o que pode te proporcionar um samyama "em trânsito", por assim dizer. 
Ásanas eu só consegui com um mínimo de conforto... depois que "o bicho pega" a prática acontece em outro nível. O mesmo para o yôganidrá.