quinta-feira, 16 de abril de 2020

a casa, as crianças, as mãos e a escrita

hoje faz um mês que estamos reclusos (não sei se essa é a melhor palavra... mas... quero não me preocupar com o que é "melhor", e sim com o que é possível)

um mês sem escola - com duas crianças em casa, 7 e 3 anos
um mês sem empregada - com duas crianças em casa
um mês sem babá (aquela que me proporcionava, uma vez por semana, uma tarde a sós comigo mesma e uma noite a sós com o marido) - com duas crianças em casa
um mês com o marido em home office - com duas crianças em casa
um mês dando aula por videoconferência pela primeira vez na vida - com duas crianças em casa
um mês sem ir à academia, sem ir à terapia (fazendo sessões via trocas de áudios, pelo menos), sem tomar café da manhã na padaria, sem conversar descontraidamente com as amigas, sem poder contar com uma ou outra vó pra deixar as crianças

enfim... um mês com a casa e as crianças! E com o marido, é claro... longas e duras conversas com o marido... a divisão do trabalho, as questões de gênero, a minha necessidade por respiro e espaço, os meus limites em relação ao trabalho dele, os meus anseios em relação ao que possa ser um trabalho meu. Sabe, nenhuma novidade... as pautas são as mesmas, sempre estiveram presentes... mas esse tempero de "não poder" sair de casa traz um colorido todo especial! E deixa os limites gritantes. Literalmente.

e a louça na pia, e a comida por fazer, e a roupa no cesto, na máquina, no varal

eita que o sol já se foi e as crianças precisam ir pro banho!

o que vamos jantar?

hoje consegui varrer a cozinha

os banheiros precisam ser lavados... sábado acho que consigo

e ali no canto, juntando teias de aranha, meus fios e agulhas... a maratona da casa e das crianças não me deixa chegar nesse canto. O que não tem chegado, na verdade, acho que é a inspiração pra fazer algo... até pego as agulhas vez ou outra, começo uma coisa, não vai em frente...  uma criança chama, ou brigam, ou pula em cima de mim, ou me pede pra fazer algo extremamente mirabolante (tipo, um poncho!)... começar e parar é complicado pra mim... quero mergulhar... e não consigo... então não faço

o caderno, diário, até que consigo manter com alguma escrita. Pequenos fragmentos do dia, a cada dois ou três dias pelo menos. Publico vez ou outra alguma frase inspirada nas redes sociais... mas ainda não saciam minha vontade de escrever...

e as mãos não param!

a pele vai ficando seca, as unhas quebradas, haja trabalho manual! Lava, pica, mexe, esfrega, varre, estende, dobra. Trabalho manual, braçal, corporal

e hoje elas encontraram a enxada. Eu estava precisando desse trabalho pesado, a força da lâmina cravando na terra, logo abaixo da touceira de capim [não quero mais o capim ali... quero milho, quero verduras, quero flores]. O braço empurra na direção contrária, fazendo uma alavanca, sai aquele monte de raízes. A mão vai lá, pega a touceira, joga pra fora do canteiro. E vamos pra próxima. A terra está feliz, cada enxadada, uma minhoca! Vou devagar, cubro as minhocas que se retorcem ao sol. O suor escorre no rosto, seco com a camiseta que a criança deixou jogada no caminho. Queria continuar, mas é hora do almoço... não hora de relógio, porque não to nem aí pra relógio, mas a hora da fome mesmo... então é isso, aprender a parar, a mudar... e a retomar. À tarde teve mais enxada, e teve mais hora de parar, sem querer parar

e agora também... preciso parar