Reconheço
que tenho um montão de assuntos muito mais relevantes e interessantes para
escrever, mas é que eu gosto tanto desse evento e foi tão legal reler o relato
da Virada 2010 que preciso deixar essa recordação para mim mesma aqui no
Aralume!
Bom, a graça
da Virada, pra mim, é virar! É passar a madrugada de show em show, é ver o dia
clarear, é ver as ruas da cidade ocupadas, é respirar o ar de euforia coletiva!
Mas como não sou mais adolescente e prezo por minha integridade física e moral,
são necessários alguns cuidados... nossa turminha já está ficando expert em
Virada e a mochilinha do Moli é prova disso. Casaco, mantinha, camiseta extra,
desodorante, pasta e escova de dentes, lanchinhos, um verdadeiro kit de
sobrevivência.
No meu kit
Virada tinha agasalho de sobra, camiseta para o domingão ensolarado, necessaire
com desodorante, colírio (e óculos escuros!), lápis do olho, pasta e escova de
dentes e ainda um spray de própolis para cuidar da garganta castigada pelos
gritos eufóricos e frio da madrugada. Coisa de profissional mesmo, hehe.
Gosto de
começar o evento pelo centrão. Praça da República, São João e cia., ainda
limpas e “possíveis”. Depois a dica é percorrer o circuito SESC, com atividades
civilizadas e ambientes impecáveis. Vida de tiozão =D
O plano
começou bem e depois de sentir o ar da noite com um jazz na República fomos
para o SESC Vila Mariana, onde vimos Os Mulheres Negras, com a participação
especialíssima de um músico uruguaio que é o “homem banda”, só vendo. Comemos
por lá mesmo e entramos no show do Wandi Doratiotto, sempre simpático,
engraçado e com um repertório muito gostoso. Na saída conversamos com ele, que
tem uma receptividade incrível, falando com a gente como se fôssemos grandes
amigos, muito legal mesmo. Por lá ainda tinha uma exposição de fotos de um cara
que deu a volta ao mundo de bicicleta. Fotos lindas, instalação linda. Viva o
SESC!
Já era 1h e
fomos pro SESC Consolação, onde estava tendo uma programação especial sobre o
México. Comemos umas iguarias mexicanas (embora já tivesse acabado quase tudo)
e resolvemos voltar pro centro pra ver o Zimbo Trio na República. A lua (super
lua, diga-se de passagem) estava esplendorosa e depois de ver dois shows em
auditório foi uma delícia respirar o ar fresco da noite assistindo um show na
praça. Só que o som estava meio devagar e pra espantar o sono (nisso já era
umas 3h) fomos percorrer os outros palcos.
Acabamos
parando no Anhangabaú para assistir o Quinteto da Paraíba. Cadeirinhas,
primeira fila, tudo muito bom, tudo muito bem... só que montaram o palco
debaixo do Viaduto do Chá e é claro que tinha uns espírito de porco lá em cima.
Ficamos meio tensos com nossas cabeças sendo alvo fácil para uma cusparada (no
mínimo) e depois que o companheiro da fila de trás vomitou ali mesmo, levantamos
e fomos embora. Pois é, Virada é assim... só não pode perder a esportiva!
Caminhar
pelo centro às 5h da madruga é uma experiência tensa. Aquelas pessoas parecem
umas almas penadas, virando garrafas e garrafas (de plástico) de vinho ruim
goela abaixo. Como diz o Moli, dá dor de cabeça só de olhar! Muito lixo pelas
calçadas e um cheiro de mijo que beira o insuportável. Contando assim você pode
até pensar que eu sofri, ou que caí numa roubada e não vou nunca mais, mas foi
de boa! Na verdade, eu sabia exatamente o que ia encontrar por lá e estar
psicologicamente preparada faz toda a diferença.
Não
presenciamos nenhuma cena de violência e em nenhum momento passei medo. Se
sorte ou ingenuidade, não sei, só sei que foi assim. Comemos um milho cozido
delicioso, paramos mais um pouco no palco República pra ouvir a banda argentina
Violentango, nos despedimos daquela lua absolutamente majestosa e fomos pro
Largo do Arouche, onde estava minha grande expectativa da Virada: Bloco do
Sargento Pimenta às 6h!
Chegamos lá
às 5h50 e aí sim vimos o que era uma cena de filme de terror! Uma gente feia
(desculpa Rafa!), uma atmosfera de Blade Runner naquela penumbra pré amanhecer,
coisa de filme mesmo. E pra completar, os gays mais esdrúxulos e menos
recatados tomavam conta do cenário. Fomos salvos pelo PC, que conhecia uma
padaria muito boa por ali, a Gemel. Nossa, um verdadeiro oásis! Ambiente claro,
limpo, cardápio farto, pia com sabonete, garçons atenciosos. O público
continuava gay, mas agora de outra estirpe. Gays charmosos e elegantes tomando
seus capuccinos!
Quando
saímos na rua já estava claro e eu queria muito dar uma chegadinha no Bloco. Atravessamos
o Largo, que acabara de ser exorcizado pela luz do sol! Impressionante como em
menos de uma hora o público (e a atmosfera) tinha mudado. Era 6h30 e o Bloco
estava subindo no palco. Não foi nada que se diga “ó”, mas deu pra dançar e
espantar o sono.
Fomos
resgatar a Dalva, que ficou descansando na Maria Antonia, e ainda usufruímos
dos banheiros limpos da USP antes de seguir para o nosso próximo compromisso:
Jair Rodrigues no SESC Pompéia às 9h. Deu tempo de tomar um expresso e
descansar um pouco nos sofás do SESC antes do show e lá fomos nós.
À essa
altura o sono já estava bem instalado e estávamos meio que preparados para
tirar um cochilo no show. Até parece... o Jair entrou como um furacão, mandando
um samba atrás do outro, só clássicos. Uma energia que chegava a ser
intimidadora! Uma sintonia e uma simpatia com os músicos e a platéia que eu
nunca tinha visto. E foi muito engraçado ver o assédio das velhinhas, que
ficaram alucinadas!
Depois do
bombardeio de sambões, um mais animado que o outro, ele deu um respiro, falou
de sua devoção pela padroeira do Brasil e cantou Romaria. De arrepiar mesmo as
peles menos religiosas. Logo em seguida chamou a Elis pro palco. Conversou com
ela. Contou sobre o Dois na Bossa. E prestou sua homenagem à companheira, nesse
trigésimo ano de sua morte. Ele simplesmente cantou Arrastão. Nem tentei conter
as lágrimas, que nem sabia exatamente porque surgiam, mas foi um episódio muito
forte. Acho que mesmo quem nunca ouviu falar de Elis Regina e Jair Rodrigues se
emocionaria com a emoção do cantor no palco. Depois dessa ele saiu de cena,
deixando um dos músicos tocando viola. Jair volta cantando Disparada, haja
coração!
“porque gado
a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente!”
Saímos do
show a mil. Se tivéssemos dormido uma noite inteira não estaríamos tão bem
dispostos. É claro! Fomos resgatar a Ana e o Leo, que preferiram dormir meia
noite, e seguimos para o encerramento da (nossa) festa: Titãs ressuscitando
Cabeça Dinossauro, 12h no Palco São João.
Chegando na
São João por uma perpendicular víamos de longe o rio de gente se dirigindo para
o palco. Comi um pastel de palmito e fomos nos emaranhando naquele amontoado. O
espaço entre cada um foi diminuindo e só a passagem de som já empolgava a
galera. A pérola do evento ficou por conta de um rapaz que nos fez a seguinte
pergunta: “viu, são duas bandas? A Cabeça Dinossauro e os Titãs?”. Ô dó! Rimos
com discrição e explicamos pacientemente pra ele do que se tratava. Nessa hora
me senti uma dinossaura!
E então eles
entram no palco! Haja garganta e palmas! Começa a piração e lá pela terceira ou
quarta música o Moli fala: “se prepara que na Polícia vai ficar tenso”. Dito e
feito! Todos queriam expressar sua indignação contra a entidade policial e
tinham ali a melhor das oportunidades. Do nosso lado começou aquele agito
característico dos shows de rock, onde fica todo mundo se batendo, mas num
clima muito amigável e fraternal, uma verdadeira massagem coletiva. Era lúdico,
não era violento. Mas não tinha como não pensar que se alguém tropeçasse no
meio daquela muvuca poderia ser seu último tropeço... pensamento de tiazona...
cuidado minino!
E por aí
foi. Muito, muito, muito bom! Foi interessante mergulhar no lado raivoso da
arte.
“você vai
morrer e não vai pro céu, é bom aprender, a vida é cruel!”
Já tínhamos
desistido de ficar até o fim da Virada, mas depois dessa a única opção possível
realmente era ir pra casa. E foi engraçado chegar na casa da sogra com aquelas
olheiras, com aquela “inhaca” de quem passou a madrugada perambulando pelo
centro, com aquele “budum” de quem acabava de sair de um show de rock em pleno
sol do meio dia. Olhei pra mim e pensei: “minha filha, você tem 31 anos, é uma
engenheira, é uma mulher casada, olha só o seu estado!”. A adolescente dentro
de mim, aquela que sempre vive e que sempre viverá, aquela lembrada sabiamente
pelo Seu Jorge na “minha” música Carolina, simplesmente abriu um sorriso de
satisfação, o suficiente para dizer: “Estou VIVA”.
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