sábado, 10 de agosto de 2019

Tecnologia para além do Bem e do Mal

A tecnologia nos afasta.

O vício da dualidade pode nos levar a traçar imediatamente um juízo sobre essa afirmação. Quando você leu a primeira frase, será que logo pensou algo parecido com as frases em itálico abaixo?

A tecnologia nos afasta ... ah, então ela vai defender que isso é algo ruim, nocivo

ou...

A tecnologia nos afasta ... ah, será que ela vai mostrar que isso pode ser bom e vantajoso?

Não necessariamente... o que quero é traçar um entendimento do que é e a que se presta a tecnologia, antes de posicioná-la em uma polaridade. Porque acredito que nada seja essencialmente e unicamente bom ou ruim, mas sim que existam circunstâncias, aplicações, relações, ciclos...

Então vamos lá... alguns fatos sobre a tecnologia:

A tecnologia me afasta da realidade do tempo, trazendo a sensação de que estou fazendo algo mais rápido do que faria sem o aparato tecnológico. Incluo aqui todas as máquinas, mas vamos olhar para os meios de transporte... será que se eu levar em consideração todo o esforço necessário e todas as consequências envolvidas em produzir e manter um carro, eu estaria mesmo me locomovendo de forma mais rápida?! Essa rapidez com que me locomovo em meu carro, é uma economia de tempo para quem? Pra conta de quem vai esse tempo que economizei?

A tecnologia me afasta da noção de esforço necessário para realizar uma tarefa, trazendo a sensação de que estou fazendo algo de forma mais simples e fácil graças ao aparato tecnológico. O exemplo do carro pode ser analisado aqui também. Quem tem mais conforto quando pego meu carro e me desloco sentadinha, no frescor do ar condicionado? Na conta de quem estou depositando esse conforto?

A tecnologia me afasta das pessoas, permitindo que eu interaja com elas sem precisar estar em sua presença, e muitas vezes sem precisar compartilhar do mesmo tempo. Vide telefone e todos seus desdobramentos tecnológicos, seguindo pelas mensagens e companhia. Não preciso estar no mesmo lugar e nem no mesmo tempo. Ah, mas se não fosse o telefone, eu nem falaria com tal pessoa, eu estaria muito mais afastada dela. Estaria mesmo?! Com quantas e quais pessoas você deixa de interagir de verdade, em realidade e presença, pra interagir virtualmente com outras?

A tecnologia me afasta de mim, levando-me a olhar para fora, para todos os tipos de informações e sensações externas ao meu corpo, aos meus pensamentos e às minhas emoções. Quem aí não gosta de assistir uma série ou qualquer outra coisa "pra não pensar em nada"? Compare as sensações que são despertadas por um livro e por uma série. Observe como você fica quando fecha o livro e como você fica quando desliga o aparato tecnológico que estava assistindo. E quando os livros são também abduzidos pelos aparatos tecnológicos?! e-readers  e-books ... não estou dizendo que sejam bons ou maus... apenas observe como funcionam, como agem, para que servem...

A lista poderia ser exteeeeeeeeensa...

Mas meu ponto é: talvez porque julguemos precipitadamente esse afastamento causado pela tecnologia como algo ruim - acho que existe uma cultura geral de que afastar é ruim, aquela coisa de que, se estou precisando de silêncio e introspecção é porque tem algo "errado" comigo, porque "como assim você quer ficar sozinha?!", e também a ideia geral de que afastar é separar e separar é ruim. Não existe uma sensação geral de que um casal que separa "fracassou"? E que seja... por que fracassar é ruim?...ah, mas chega, não é esse o caminho, rs... enfim, voltando! Minha tese:

Lá no fundo a gente sempre soube que a tecnologia nos afasta (porque é uma verdade e a verdade a gente sempre sabe), só que nos precipitamos em colocar esse afastamento numa dualidade, posicionando-a como algo ruim; e como não queremos coisas ruins, buscamos amenizar essa sensação construindo ilusões de união através da tecnologia.

[pausa para o ohhhhhh...]

Bem, você sabe, construir ilusões para amenizar qualquer coisa não é o caminho mais decente, mais adulto e mais maduro para lidar com nada nessa vida. Por causa de um equívoco, de achar que temos que posicionar tudo em dois times (Bem e Mal), caímos nessa armadilha e ficamos tentando nos enganar que a tecnologia é sim uma coisa boa, porque sim ela nos une, nos conecta.

Pois bem, amigos, não quero colocar a tecnologia em nenhum desses times. Não vou cair nessa armadilha, não vou parar por aqui simplesmente dizendo que sim, a tecnologia é do Mal e que qualquer coisa que você faça para achar que seja do Bem é uma ilusão.

A continuação da minha tese é:

A tecnologia nos afasta, lidemos com isso. Usemos esse afastamento para o que ele serve.

As mensagens, por exemplo. Elas servem para que eu possa interagir em distância com alguém. Ou seja, serve para que eu possa ler/ouvir no meu tempo e responder no meu tempo. Servem para que eu possa me afastar da pessoa, do tema, e buscar as minhas opiniões, coisa que às vezes ao vivo a gente fica sem jeito, é pego de surpresa, não sabe como lidar, precisa de tempo e afastamento (e que isso não seja fuga, porque o fato é que em algum momento, precisamos nos encarar).

Se há necessidade de uma interação/resposta imediata, que busquemos formas menos afastadas de nos comunicar (falar em tempo real, mesmo que por aparato tecnológico, já representa um ganho ENORME em proximidade; mas quando o assunto é tenso, delicado, SÓ o olho no olho em presença, ao VIVO, vai te proporcionar uma interação real e genuína, algo que inclusive precisamos aprender, treinar, praticar... o que falar, quando falar, como falar... ouvir, como ouvir... como cobrar e como esperar... como pedir (tempo, esclarecimento, o atendimento a uma necessidade). Ninguém nasce sabendo e esse afastamento disfarçado de aproximação com que estamos nos relacionando com a tecnologia só está piorando.

Toda essa história porque recebi uma mensagem naquele app você-sabe-qual e a pessoa pedia desculpas por estar mandando "coisa de trabalho fora do horário de trabalho". Aí pensei: qual o problema? Ela não está me cobrando uma resposta, só está enviando uma informação e eu posso lidar com ela quando chegar o horário de expediente, ou quando eu achar que tudo bem olhar para isso. Esse é o ponto! Olha que vantagem o afastamento da tecnologia! A gente não precisa se encontrar para que essa informação chegue até mim; a pessoa não precisa esperar o próximo expediente pra me passar o que ficou de passar; isso é uma grande conveniência. Mas se eu começo a achar que porque recebi a informação preciso fazer algo com relação a ela agora (a ilusão de que a tecnologia está me aproximando da pessoa, do assunto), aí fico pressionada, me sentindo cobrada pelo fato de estar recebendo algo de trabalho fora do horário combinado para isso. Quem nunca?!

E quando num grupo desse mesmo app você-sabe-qual as pessoas começam a discutir loucamente e você não tem como acompanhar e vem aquela ansiedade de "não dou conta de tanto grupo"... saio do grupo! Porque se as pessoas estão na ilusão de que essa comunicação virtual precária está nos aproximando, desculpe mas não vou fazer parte desse delírio coletivo. A comunicação via tecnologia existe para nos afastar. Quer você ache que isso seja bom ou ruim, é o que é.

Por fim, uma preciosidade que venho aprendendo nos meus estudos recentes... o problema não está necessariamente em achar que existem dois times - o Bem e o Mal - mas sim em achar que você precisa estar (ou colocar as coisas) em apenas um deles. Liberte-se. A vida é uma constante transmutação. Já que estou falando em times, pense nos jogadores que ora estão aqui, ora ali; saem de um time, vão para o ex-adversário e vestem a camisa. Isso é ritmo. Isso é fluxo. Tudo muda o tempo todo no mundo. Não tem problema, não é pecado se hoje você falar mal da tecnologia, em como isso é coisa do capeta, destruidora de lares, semeadora de intrigas... e amanhã disser o quão maravilhoso é poder apertar um botão é algo acontecer pra facilitar a sua vida. Ela joga nos dois times... e está tudo bem. Uns torcem pelo time, mas outros acabam por idolatrar jogador...

[ai nem sei se as analogias futebolísticas foram as melhores, rs... não é a minha praia!]

Mas pensando nessa coisa de time, torcer pelo Bem (ou pelo Mal, vai saber...) também acaba sendo uma ilusão, porque a Vida acontece entre.

[talvez a analogia futebolística tenha sido sim uma boa, porque né?... vai dizer que torcer por um time não seja uma ilusão?! #prontofalei hihihihi]


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