Ah, Seu Jorge! Essa voz, esse suíngue, essa elegância! Cantando "Carolina" e fazendo tricô, então, meu coração derrete. Está sempre nas minhas playlists animando corrida, trabalhos domésticos, viagens...
E foi num desses momentos de corpo ocupado e mente divagando que a música "Amiga da minha mulher" me chamou a atenção.
Primeiro, por ser a mais ouvida do cantor no Spotify (a letra é de autoria de Gabriel Moura, parceiro do Seu Jorge em mais de 50 canções), e depois por me propor um exercício sobre questões de gênero. Sim, car@ leitor/a/e, é preciso estar atente e forte! (eu busco usar linguagem neutra, mas esse texto vai ser bem binário e hétero e você já vai entender por quê).
O exercício não é novidade e nem fui eu que inventei. É um mecanismo simples pra entender se a situação é machista. Basta inverter papéis, misturar gêneros e avaliar se o resultado é o mesmo. Divertidíssimo! Quer ver?!
Imagina que a história, em que a amiga da esposa se insinua sensualmente para o narrador, ao invés da configuração "amiga da minha mulher", falasse da "mulher do meu amigo"
vai imaginando... "ela é mulher do meu amigo, mas vive dando em cima de mim (...) de vez em quando fico admirando, é muita areia pro meu caminhão"
Imaginou?!
Continua divertida e engraçada? Continua "brincadeirinha"?
Não, definitivamente, não. Amiga da mulher a gente dá risada, mas mulher do amigo, EITA, aí a coisa ficou séria.
E se - prepare-se: e se fosse uma mulher cantando e a música fosse "amigo do meu marido"?! Ou ainda: "marido da minha amiga"?!
Ui, fomos longe demais! Caos na Terra! Já não cabe mais em "músicas para churrasco", pelo menos não nos "churrascos de família". Quem sabe caiba na categoria funk pornográfico.
Pois bem, isso é machismo, minha gente! Quando a gente inverte e mistura os gêneros e os resultados mudam completamente.
Por que falar da "amiga da mulher" é engraçadinho, mas falar da "mulher do amigo" é o mais profundo mal-caratismo?
Por que um homem falando que "a carne é fraca" nos passa quase que despercebido, mas uma mulher dizendo a mesma coisa é a mais baixa das putarias?
PORQUE VIVEMOS EM UMA SOCIEDADE MACHISTA!
Porque para um homem, "as mulheres" são seu domínio, a não ser, é claro, que tenha outro homem envolvido. Veja: o limite não é a mulher em si, nem as inter-relações com essa mulher, enquanto forem permeadas por outras mulheres. O limite é o território do outro macho, que inclui suas respectivas mulheres-domínio. Isso não é exagero e isso não é brincadeira. Basta olhares (e ouvidos) atentos pra ir se dando conta desse mecanismo.
E no caso da mulher cantando? Ah, aí é muita audácia, né? Como assim, uma mulher que manifesta desejo? Como assim a mulher vai agora declarar estabelecer domínios e territórios mulher-homem? Ah, claro, se fossem duas mulheres "brigando" por macho, aí sim, aí é totalmente aceitável, porque, afinal, os seres dominados se degladiam pela atenção, caprichos e mimos de seu dominador. Você pode achar que estou forçando a barra, e talvez esteja, a título de exercício didático. Na prática não é bem assim. É muito pior! Porque muitas vezes é velado, a gente não se dá conta, mas está jogando exatamente esse joguinho do patriarcado.
O que eu adorei em sacar esse exemplo é que ele extrapola moralismos, porque ele já parte de uma condição de imoralidade e isso deixa o machismo ainda mais evidente. A questão não é moral. Não estamos discutindo aqui a questão específica do adultério. Porque se o cara declara que tem uma queda pela amiga da mulher, é óbvio que isso arranha valores referentes a casamento, arranha valores referentes a amizade, mas passa como uma "brincadeira", tranquilamente aceita. Socialmente conseguimos rir e nos divertir com isso.
A coisa só complica nas misturas de gênero que propus. Perde a graça, vira tabu, vai pro gueto. O problema claramente não é o adultério.
Então a questão é essa: igualdade de direitos. Inclusive na putaria!
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