segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Como algo é tornado lixo?

Lixo é um tema que me afeta desde que me entendo por gente. Eu tinha 11 anos quando aconteceu a Eco 92, a famosa conferência sobre meio ambiente, sediada no Rio de Janeiro. Na época, minha mãe estava engajada em um grupo ambiental da cidade e o tema pulsava pela casa. O bom uso dos recursos, água, energia, materiais... e a destinação dos resíduos... o lixo.

Minha adolescência foi permeada pelos temas da Agenda 21 e a afinidade com a natureza me levou a estudar Engenharia Florestal, onde busquei me aproximar da educação ambiental, estagiando com o professor que foi responsável por grandes aberturas no meu modo de ver o mundo. Não sei explicar exatamente o porquê, mas não segui com ele... acho que seus questionamentos eram tão fortes e tão profundos que eu simplesmente não tinha estrutura emocional para lidar... e fui me aproximar das árvores, esses seres tão encantadores, lindos, imponentes. Fui buscar entender as árvores. Depois veria que foi um caminho bem equivocado, porque na verdade eu nunca quis "endendê-las", apenas contemplá-las... mas ok, isso é outro assunto.

Pois bem, o lixo. Como algo é tornado lixo?

Observando minha casa e os lixos que produzo nela, vejo que são coisas que não servem mais. Já serviram bastante, foram bem importantes, e de repente, não servem mais.

O maior volume é de embalagens. O saquinho de leite, as garrafas de suco, cerveja e vinho, o plástico que envolveu o queijo, a lata de molho, o plástico do macarrão, o papel da farinha, o frasco de shampoo. Foram muito úteis, me possibilitaram trazer todos esses produtos pra casa. Algumas eu reutilizo, adoro vidros! Mas a maioria acaba não servindo mais.

Tem os desenhos das crianças... alguns eu guardo, anoto o nome, a data, ficam pra posteridade, talvez adiando seu destino de lixo... mas muitos vão para o lixo agora mesmo... um material que serviu, que foi usado, bem usado... mas já cumpriu sua função, não serve mais.

Tem coisas quebradas, ou desgastadas. Serviram durante um bom tempo, mas chegaram ao fim. Qual o limite pra considerar algo tão desgastado que não sirva mais? Que não sirva pra mim nem pra ninguém... porque tem coisas desgastadas que envio para pessoas que talvez possam aproveitar... o que é pra mim um incômodo sim... aquilo não está bom o suficiente pra mim, mas pode servir a outra pessoa... não necessariamente porque tenhamos gostos diferentes, mas certamente porque temos condições de vida diferentes, que afetam nossos níveis de aceitação.

Tem as etiquetas das roupas... algo que não serve mais, mas não que eu tenha usufruído delas. São uma necessidade de quem fabrica, de quem vende. Por mim, não precisaria de etiqueta nenhuma... ok, eu gosto de saber a composição do tecido... mas já existe solução pra isso, imprimir as informações da etiqueta na roupa. Sei lá se é a melhor solução, ou se funciona pra tudo...

E tem o lixo do banheiro... ah como eu queria que fizéssemos como nos "países desenvolvidos"... vai tudo pra privada... e trata-se com o esgoto. O papel se desfaz, não é difícil. Sabe qual o entrave aqui? O formato dos vasos sanitários, que tem uma saída estreita e entope se jogar papel. Quando construímos nossa casa pensei nisso, dimensionamos encanamento e fossa pra receber os papeis... só que não passou pelo vaso! Podemos então usar ducha e toalhinha, como "antigamente"... pode ser uma solução...

E teria o "lixo orgânico", mas aqui em casa os restos orgânicos não viram lixo! Os restos dos alimentos voltam pra terra e lá, não são lixo. Restos de matéria orgânica na terra são apenas restos de matéria orgânica... faz parte da natureza, faz parte do ciclo. Decompõem e voltam a ser terra. Ufa!

Enfim, não consigo pensar em lixo sem pensar nas suas consequências e em formas de diminuir esse volume que, sei, não some quando colocado na rua.

Estamira diz que no lixo vem muito descuido... sem dúvida! Com esse grau de descompromisso que temos com o lixo na vida urbana, o descuido acaba sendo uma consequência (quase que) inevitável. O máximo de educação e compromisso que nos ensinam com relação ao lixo é levá-lo até um local "adequado". Não jogue lixo no chão. Jogue num saquinho (ou sacão), e pronto! Aqui encerra-se sua responsabilidade com o resíduo que você acabou de produzir. Parabéns!

Desde a Eco 92 temos tentado ir um pouco além, trazendo também a educação e o compromisso em separar o lixo. Reciclável, não-reciclável, orgânico. Porque lixo separado pode deixar de ser lixo (!). Resíduos orgânicos na terra não são lixo, são adubos; resíduos recicláveis bem destinados não são lixo, são matéria prima. Lá se vão quase 30 anos e estamos engatinhando nisso... mas ok, é um processo, há esperança.

No fim, pra mim, a principal forma com que algo é tornado lixo é o descompromisso. Eu torno algo lixo quando abro mão do meu compromisso com aquele material. Porque, o que é lixo? Lixo é aquilo que a Terra não engole. Se a Terra não engole, quem tem que engolir é quem produziu e quem usou. E se ninguém vai engolir, se ninguém vai assumir um compromisso com aquele resto, aquele resíduo, temos lixo. Lixo é descompromisso.


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o que nasce em uma aula/oficina de artes-manuais?
quais relações acontecem?
qual o destino das coisas produzidas?

reciclar?
reutilizar?
sustentabilidade?
quando as palavras se tornam ecos?

fazer é pensar
qualquer fazer é pensar?
qualquer pensar é fazer?

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o que nasce de uma aula/oficina de artes-manuais?... as possibilidades são tão diversas quanto a diversidade de seres que estiverem interagindo... pode nascer muita coisa, pode não nascer nada...

aulas e oficinas estão mais para sementes e ferramentas do que para sementeiras. As sementeiras são as pessoas, cada pessoa. Cada pessoa um solo. Chega a aula/oficina, e promove algo para esse solo. Aí podem surgir as relações

professor-aluno; aluno-aluno; conteúdo-aluno; material-aluno; conteúdo-material-professor-aluno, todas as combinações possíveis e as impossíveis também (!)

as relações podem vir a afofar esse solo, regá-lo

as relações podem também ser sementes

as relações podem ser o sol, a chuva, a geada... chuva que molha, chuva que alaga, afoga

o destino dos materiais?... a profundidade da relação determina o destino... de quanto tempo essa relação precisa? que sementes quero aguardar germinar dessa relação? que sementes quero aguardar que cheguem nesse solo tão trabalhado? por quanto tempo vou esperar que o vento as traga? por quanto tempo vou esperar que essa casca dura se quebre pra ver o broto? vou esperar? esse é o destino do material produzido... a relação que estabeleço com ele. Eu & Ele. Em que medida o professor influencia esse destino? Na construção dessa relação... como se dá? Tem como controlar? Tem como garantir? Não... só tem como cuidar...

as palavras se tornam ecos quando são sementes num solo seco
podem até germinar... mas não enraízam

o fazer pode ser a enxada (ou a mão) que revira a terra

o fazer pode ser o húmus que coloco numa terra fria

o pensar pode ser semente

se o fazer torna-se pensar, a semente foi plantada na terra fofa, fértil

se o pensar torna-se fazer, a terra se abre para receber uma semente lançada
ou, a semente lança seu broto, seja lá como for a terra, porque semente quer brotar!

se a terra é fértil, alguma semente há de brotar, mesmo que não seja a que esperamos
sim, todo fazer é pensar
o fazer fertiliza a terra e em terra fértil vidas aparecem

e não, nem todo pensar é fazer
nem todo broto rompe a terra, nem toda fenda permite o nascimento de uma semente
semente boa não é garantia de broto enraizado

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reflexões à partir da disciplina
Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Artes-Manuais
Prof. Vinícius Airumã

Pós-Graduação em Artes-Manuais para Educação
Turma 3 - 2019/2020
Facon - Nina Veiga Atelier de Educação




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