quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O campo e a cidade: quem sustenta quem?

Eu tenho um sonho antigo, que às vezes se mostra como uma poderosa fogueira, cheia de vigorosas labaredas, e às vezes fica adormecido como brasas sob as cinzas. Esse sonho é o de viver no campo e do campo.

Viver em uma unidade rural - terreno, chácara, sítio, fazenda, comunidade, ecovila... dê o nome que quiser - e tirar de lá o meu sustento. Vejo um lugar com água limpa e abundante, terra fértil, floresta, pomar, horta, roça, vacas, galinhas, minhocas, cogumelos, pessoas queridas... quanto mais alta a fogueira, mais itens vão sendo adicionados a esse cenário, mas quando falta lenha as brasas incandescentes guardam o cerne: viver no campo e do campo.

Eu já tive breves experiências de viver no campo, no nosso sitiozinho lá em Pedra Bela. Cresci lá e "depois de grande" morei lá durante alguns meses, só eu e o Pajé, meu guardião negro de alma canina dourada luminosa. Eita tempos bons! O pseudo silêncio da noite, com sua infinidade de grilos e sapos; o ar fresco; a companhia das árvores e das montanhas. Mas eu não vivia do campo... estava ali para estudar e investir no sonho...

Tempos depois tive uma breve experiência do que seria viver do campo, foi com a Sempre Viva Orgânicos (se não conhece a história, veja aqui). Eu diria que foi uma "amostra grátis", embora tenha passado longe de ser grátis, rs... mas o importante é que deu pra ter uma ideia de como o campo é tratado pela cidade. É triste, acredite. O trabalho árduo de quem se levanta antes do sol e passa o dia com as mãos na terra é muito pouco recompensado... quem ganha dinheiro é quem está no escritório cercado de celulares, computadores e números.

Não que o objetivo seja "ganhar dinheiro", mas a remuneração de quem vive do campo está muito aquém do mínimo condizente com os confortos que a cidade proporciona (mínimo, eu disse mínimo... não estou falando de consumos supérfluos...). Talvez possamos fazer uma exceção aos grandes latifundiários, que ganham dinheiro às custas de um modelo predatório, moendo em seu engenho gente, terra, água, ar e veneno.

Outra constatação que deixa a fogueira dos meus sonhos à míngua é quando me deparo com alguém que aparentemente vive do jeito que eu gostaria, mas quando vou investigar acabo encontrando uma fonte externa de recursos, invariavelmente vinda da cidade e quase que sempre na forma de um aluguel de algum imóvel herdado da família. Isso sim é balde de água fria que faz a fogueira virar fumaça (mas lembre-se, onde há fumaça, há fogo e essas brasas taurinas são teimosas...).

E matuta que sou, fico matutando: o que está errado? O normal seria o campo sustentar a cidade, e não o contrário! Não quero polarizar, não quero fazer dois "times", mas com a falência de um, quem sobrevive?! É claro que o campo precisa de muitas coisas vindas da cidade, ainda mais esse campo, formado por exilados urbanos, mas no limite, no caos, no frigir dos ovos, se tem alguém que sucumbe, esse alguém é a cidade!

Agora me diga, com o colapso das cidades, quem está no campo sendo sustentado pela aglomeração urbana, fica como? Que tal voltar à cartilha e rever o conceito de sustentabilidade?

Estou sendo apocalíptica, admito. Estou dizendo que as uvas estão verdes, uma vez que não as posso colher (minhas uvas verdes são tanto a fazendinha dos sonhos quanto o apartamento que a sustentaria...). Estou caindo no fácil papel de avaliar, julgar e “resolver” a vida alheia...

Mas revolução não se faz com concessão. E eu só acredito na revolução, porque o barco já está tão furado que não há remendo que dê jeito. Esse pensamento me fez lembrar do meu querido professor de Educação Ambiental, que também alertava pra importância de não cair na ilusão do “paraíso particular”, essa coisa de ter uma terrinha, linda e perfeita como eu imagino, mas sem se preocupar com a vizinhança. Uma hora o caos bate na sua porteira e no momento seguinte ele fura sua cerca. Não tem como se isolar e realmente o caminho não é por aí.

No meu sonho de viver no campo e do campo, além do pedaço de terra que já descrevi brevemente, sonho com um campo forte, sonho com uma comunidade unida, íntegra e de cabeça erguida, que não se curva a gravatas e paletós, que não rasteja por moedas, aliás, que não rasteja por nada!

E se você, caro internauta, acha que não tem nada a ver com isso, reveja seus valores, desligue-se um pouco da tomada e do wi-fi e conecte-se com seu instinto de sobrevivência.

Um campo íntegro e forte pode socorrer uma cidade à beira da falência. É de vital interesse do morador urbano que o morador rural esteja cuidando adequadamente da produção de água e de alimentos; é de vital interesse do morador urbano que o morador rural esteja cuidando adequadamente da biodiversidade e do equilíbrio da teia da vida. Porque sem água, sem alimentos, com espécies e habitats inteiros desaparecendo e uma dinâmica natural completamente alterada, não tem computador que dê jeito, não tem dólar que resolva.

A meu ver, a ação mais básica, simples e indolor que o morador urbano pode fazer é consumir produtos orgânicos, tantos quanto possa (alimentos, cosméticos, produtos de limpeza, roupas...). A filosofia da produção de orgânicos fortalece o campo; o consumo de produtos orgânicos valoriza o morador rural, deixando a relação campo-cidade num patamar mais olho-no-olho - ninguém precisa abaixar a cabeça pra falar com o outro.

Quando quiser avançar um passo, pode passar a adquirir esses produtos com cada vez menos intermediários, de preferência em feiras, empórios comunitários, cooperativas. Lembre-se que o Pão de Açúcar garfa grande parte do que você paga pela bandejinha de tomates orgânicos... (mas mesmo assim é muito melhor do que comprar o convencional, não desanime!).

Outra prática saudável é conhecer o campo! Fazer turismo rural, gastar seu dinheirinho em estabelecimentos familiares, comprar artesanato, comprar o queijo da Dona Maria, a geléia da Dona Dita, a cestaria do Seu Raimundo. Contratar o guia que é filho do Seu Zé e cresceu tomando banho naquelas cachoeiras.

E nessas andanças pela roça, cuidado pra não “contaminar” a moçada com as tentações urbanas... é você que tem que ir embora de lá encantado com as cores do por-do-sol e não o filho do Seu Zé que tem que ficar fascinado com o seu iPad. Cuidado, muito cuidado... o filho do Seu Zé pode vir a ter um iPad, se for o caso, mas não precisa colocar a carroça na frente dos bois... discrição é fundamental.

Com uma postura correta, de igual pra igual, veremos que ninguém precisa sustentar ninguém, trata-se apenas de uma troca, cada um cumprindo seu papel, sem senhor, sem patrão, sem escravo e sem submissão. Isso sim é que é humanidade e torná-la possível e nossa grande revolução.

3 comentários:

  1. Respostas
    1. Adorei seu texto, cai aqui por acaso.
      Nunca gostei de cidades pequenas,talvez por que nunca encontrei "meu paraiso" em nenhuma das que conheci na minha MG.
      Hoje moro numa cidadezinha rural na Suiça e adoro!!!! Calma, ar puro, legumes bio em toda esquina e acima de tudo respeito ao homem do campo.
      Nada comparado ao meu vozinho que era agricultor, trabalhou toda uma vida, e nunca teve nem um sapato. Vale à pena continuar lutando, voce é inteligente, ainda vai arrumar um canto pra viver seu sonho. Boa sorte,Renilde

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    2. Oi Renilde, obrigada pelo comentário!

      Gostaria de saber qual foi o acaso que te trouxe até aqui...

      Fico feliz por ter encontrado seu lugar, ainda que tão longe. E espero que esse tipo de progresso chegue um dia às nossas pequenas cidadezinhas mineiras...

      Abraço!

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