terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O respeito ao choro

Esse fim de semana pude passar alguns preciosos momentos com a Clara, só eu e ela (se você é leitor do Aralume já conhece a Clara, que é minha sobrinha e afilhada e logo completa um ano e meio. Ela tem até uma "tag" nos assuntos do blog, rs...).

Muito do que vou escrever aqui tem a ver com o que diz a Laura Gutman no livro "A maternidade e o encontro com a própria sombra" e também com as conversas que tenho com a Carol, mãe da Clara. Mas nada como um depoimento de fatos, né? Teorizar é importante, pois oferece o alicerce, mas enquanto não se coloca a mão na massa, a areia fica de um lado, o cimento do outro, a água lá longe e nada de parede! (para os amigos agroecológicos posso reescrever essa frase: ...mas enquanto não se coloca a mão na massa, a terra fica de um lado, o bambu do outro, a água lá longe e nada de parede! =D ).

E lá fui eu colocar a mão na massa. Primeiro um passeio no parque enquanto os pais foram pra feira. A garoa fina me fazia equilibrar um guarda chuva e deixava a terra na consistência ideal para mudar a cor dos sapatinhos pequeninos que corriam atrás dos "cocós".

Não demorou muito e fomos ver os cavalos. Ali ficamos um bom tempo... uma eternidade, eu diria. Uma eternidade do ponto de vista de um adulto, que corre pra lá e pra cá o tempo todo e parece que nunca se dá o direito de parar e simplesmente observar.

Apoiei uma perna na grade, coloquei a Clara sentada e ficamos vendo os cavalos andando em círculos. Alguns segundos depois eu pergunto pra Clara "vamos embora?", ao que ela responde prontamente e sem a menor dúvida com um aceno negativo. Ok, to passeando mesmo... mais alguns minutos, a garoa aperta. Abro o guarda chuva e refaço a pergunta; a resposta é idêntica. Pergunto se ela está com frio, não está; pergunto se está tudo bem, está. Então pra que mudar?

Deixo-me ficar e a "autopergunta" ecoa na minha cabeça: "mas por que raios você quer ir embora?!". Eu não tinha nenhum motivo pra sair dali... ficamos então até a Clara, por livre e espontânea vontade, dar tchau para os cavalos.

Uma das coisas que a Laura Gutman fala é que as crianças tem um tempo muito diferente do nosso, que elas são muuuuuuuito mais lentas e que os processos acontecem em outra escala. E quanto menor a criança, mais acentuada essa diferença de "timming", afinal, elas estão chegando, é absolutamente TUDO novo, é difícil se mexer, se comunicar. Então um aprendizado muito importante para quem lida com criança é que a velocidade delas deve ser respeitada... eu acho que dá pra manter um passo à frente, até mesmo como estímulo, mas precisamos ter muito cuidado para não atropelar as coisas.

Pois é, e se eu não soubesse disso e, por tédio ou ansiedade, tivesse tirado a Clara dali antes que ela resolvesse que já era hora, o que teria acontecido? No mínimo ela teria chorado, com certeza. Cada um usa as armas que tem e o choro é praticamente a única arma das crianças! Então a interpretação adulta seria que ela estaria "fazendo manha", que seria birra de criança mimada. Quem já não se viu numa situação dessa?!

No nosso caso específico eu realmente não tinha motivo para tirá-la dali, mas e se fosse preciso? E se eu tivesse um horário marcado com qualquer coisa e precisasse ir embora? Aqui teríamos dois cenários: em um o adulto vai embora e pronto, com a criança chorando e as pessoas olhando; em outro o adulto falta com o compromisso porque "não pode contrariar a criança".

Acho que todo mundo tem alguma memória de qualquer variação das cenas acima. Ou atropela a criança, ou a vontade da criança atropela compromissos, pessoas, orçamentos...

Mas existe o "caminho do meio", que é a conversa. É impressionante como a Clara entende tudo o que a gente fala! Vejo os pais conversando com ela o tempo todo, explicando tudo e ela, embora ainda com poucas palavras, dá sinais muito claros do que quer.

Na maioria das vezes basta explicar, respeitar o tempo (nem que seja só o tempo de ela entender o que você está falando) e tudo se resolve com sorrisos. Em outras vezes, realmente não tem tempo pra ficar explicando, principalmente em situações de perigo, mas mesmo nessas dá pra ir mostrando pra criança que você teve que tomar aquela atitude pro bem dela. Se não deu pra conversar antes, é fundamental conversar depois...

Exige paciência, exige lucidez. E exige o que muita gente definitivamente não está preparada para enfrentar: as "autoperguntas"! Porque ao explicar pra criança você tem que estar convencido daquilo, senão não funciona! E aí talvez você se depare com questões que não estão bem esclarecidas nem dentro de você...

Mas vale a pena! Olha o que alguns minutos observando cavalos com uma criança no colo renderam, rs...

Depois, no mesmo dia, precisei ficar um tempo mais longo com a Clara. Brincamos, comemos, fizemos várias coisas, mas o mais legal foi o banho! Primeiro porque foi ela que pediu pra tomar banho. Sem usar uma palavra, foi até o banheiro apontou a banheira e o recado estava dado. Pensei "será que é hora de tomar banho?", "será que eu posso dar banho nela?", "será que eu ligo pra mãe?!".

Resolvi usufruir da minha autonomia de madrinha e lá fomos nós pro banho! A Marina, nossa outra sobrinha de 5 anos, foi uma belezinha e ficou lá me ajudando. Mais uma vez atenção ao "timming". Sei que a Clara adora água e adora banho, então não tinha mesmo a menor necessidade de apressar o processo.

Aí pensei que muita gente vê o banho da criança com uma visão utilitária, ou seja, a visão adulta: banho é para ficar limpo. Entra, ensaboa, repassa e sai. Mesmo porque não pode ficar gastando água! Mas o banho da criança tem uma função muito mais lúdica do que utilitária. E sendo de banheira ou balde a água é a mesma, independente do tempo que o serzinho fique lá "de molho".

Eu acho, aqui na minha humildade, que criança que dá trabalho pra tomar banho (chora pra entrar e chora pra sair) é porque não tem a oportunidade de desfrutar do prazer do banho.

Sei que não deve ser fácil pra muitas mães e muitos pais, que vivem na maior correria, respeitar esse ritmo infantil. Mas, mais uma vez "achando" aqui na minha humildade, na maioria dos casos as mães e os pais teriam sim esse tempo a mais para dedicar aos filhos, mas não se dão conta. Parece até que nem pensam no que estão fazendo e que não conseguem fazer um escalonamento de prioridades que inclua e privilegie o bem estar da criança. E nesse caso ainda contam com o apoio da sociedade, que não quer "crianças mimadas"...

E o resultado é uma legião de crianças desrespeitadas, podadas, com as bocas caladas por chupetas, mamadeiras, doces e brinquedos caros, que nunca são suficientes.

Bom, sei que estou em uma posição privilegiada pra falar desse assunto, já que não tenho filhos. Depois da "amostra grátis" de ter uma criança sob minha responsabilidade, passei o "pacote" adiante e fui cuidar da minha vida, rs...

Não estou aqui pra julgar ninguém. "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Só peço atenção. Só peço que as escolhas sejam conscientes. Só peço que você avalie as consequências de cada escolha e seja responsável por elas. Mesmo que você erre. Mesmo que você veja que saiu tudo diferente. Sempre é oportunidade para aprender.


É comum quando escrevo vir alguma música à mente (mais comum ainda é vir vááááárias, hehe!). Na semana passada compartilhei com você e agora faço o mesmo. Chororô, do Gil. Gil lindo, luminoso e iluminado!


Tenho pena de quem chora
De quem chora tenho dó
Quando o choro de quem chora
Não é choro, é chororô
Quando uma pessoa chora seu choro baixinho
De lágrima a correr pelo cantinho do olhar
Não se pode duvidar
Da razão daquela dor
Não se pode atrapalhar
Sentindo seja o que for
Mas quando a pessoa chora o choro em desatino
Batendo pino como quem vai se arrebentar
Aí, penso que é melhor
Ajudar aquela dor
A encontrar o seu lugar
No meio do chororô
Chororô, chororô, chororô
É muita água, é magoa, é jeito bobo de chorar
Chororô, chororô, chororô
É mágoa, é muita água, a gente pode se afogar

5 comentários:

  1. Linda da minha vida! Adorei o texto. Te amo!

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  2. Lindo! Escreveu como gente grande! Acho que o amado Aralume está ficando pequeno , hein?!

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  3. Flor amada, tão lindo, tão sensível, um relato de um dia que poderia ser tantas coisas, que poderia ter ido por tantos outros caminhos, inclusive pelo choro, e que vira tanta beleza e aprendizado!
    Parabéns por muitas coisas e muito obrigada por outras tantas!
    com amor, da família e especialmente da Clara!

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  4. Obrigada Flor, pelas palavras tão doces... como sempre! Quando escrevi a carta pra Clara no dia que ela nasceu eu disse que não pensava em muita coisa que pudesse desejar, pois qualquer coisa era muito óbvia e "garantida". Continuo pensando assim, mas tenho um desejo: o de que possamos estar mais juntas! Certamente um desejo que beneficiará mais a mim do que a ela, mas eu desejo! Meu coração está apertado por saber que ficarei quase dois meses sem dar um apertãozinho sequer na coisafofadadinda!!!

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