domingo, 29 de maio de 2016

Sobre culpa, merecimento e julgamento

De uns dois anos pra cá tenho me envolvido com formas de pensar, sentir e agir bastante libertadoras. Não consigo te citar nenhuma fonte e isso faz parte do processo: não existe método codificado, não há receita nem fórmula. Eu posso dar uma organizada geral, citar alguns tópicos, o que certamente será uma visão pobre e reduzida das transformações que tenho vivido, porque ao falar (ou escrever) deixamos de lado componentes fundamentais da experiência, mas eu não me aguento e preciso contar um pouco! Tente colocar em perspectiva e saiba que essa perspectiva é só sua...

Vamos lá: a abordagem mais libertadora que tive contato é que tudo o que acontece comigo é meu. Tudo o que acontece comigo foi criado por mim para que acontecesse. Tudo o que acontece comigo faz parte da realidade que venho criando constantemente pra minha vida. Ao mesmo tempo em que vivemos numa teia de relações indissociáveis, onde cada integrante vai interagindo com o outro nessa construção coletiva das realidades particulares.

Perceber esse mecanismo é entender quando dizem que só podemos mudar a nós mesmos. Se tudo o que acontece comigo é meu, e se eu não gosto do que acontece comigo, a única forma de mudar essa situação é mudar a mim mesma. Isso pra mim é muito libertador, porque muitas vezes eu ficava achando que a única forma de mudar uma situação seria através de uma mudança do outro, e isso me apavorava, porque eu já sabia que não tinha poder nenhum sobre as mudanças do outro! Então percebi que ao mudar a mim mesma, a realidade muda! Aaaaaahhhhhh, isso pra mim pode ser traduzido na imagem de sair gritando de braços abertos e cabelos ao vento, por um gramado imenso, e depois simplesmente me jogar no chão, olhar o céu e sentir o sol (ou a chuva) sobre meu corpo.

E digo mais, essa é uma Lei da Vida. Não é algo que se conquista. Não é algo que se alcança com meditações, orações, treinamentos ou o que quer que seja. Você pode conquistar a percepção dessa Lei, mas estando ou não ciente dela você está sob seus domínios. É como a gravidade. Acredite ou não na Lei da Gravidade, se você seguir reto em direção a um penhasco, cairá. E ponto.

Então, se vale pra mim, vale pra todos. Se o que acontece comigo é mérito ou culpa minha, o que acontece com você é mérito ou culpa sua. Sorry baby.

Mas não sejamos tão rasos... lembremos da intrincada trama de relações que citei acima. Relações que envolvem tudo o que há. Desde os minerais, as plantas, todos os bichos, os complexos e maravilhosos bichos humanos e seres que não enxergamos, onde entramos num campo um pouco mais nebuloso, mas se você for muito cético pode ficar só com os que enxergamos e mesmo assim terá um panorama já bastante complexo.

Cada ser cria sua própria existência e essa existência é criada a partir das interações entre os seres.

Eu não posso me culpar ou me gabar por algo que acontece a você. Mas eu posso me abster dos julgamentos acerca das suas escolhas. Eu posso reconhecer que a minha visão sobre a sua vida é apenas a minha visão, ou seja, e o que é bom ou ruim pra mim, pode não ser encarado da mesma forma por você.

Continuando no aprofundamento da questão, tendo sempre em mente que o que acontece comigo é meu e que ao mesmo tempo estamos todos interligados, o que posso fazer ao ver uma situação de outra pessoa é investigar em mim o que essa situação diz. O aspecto da situação que me é relevante. Esse fato que aconteceu ou acontece com você mobiliza que sentimentos dentro de mim? Esses sentimentos são meus, dizem respeito só a mim, mostram faces do meu ser, mas foram trazidos à luz por algo que aconteceu a você.

Portanto, ao nos depararmos com questões nossas (sempre nossas), à partir de movimentações do outro, a única coisa que podemos ter em relação ao outro é gratidão. Obrigada por me mostrar esses aspectos do meu ser. Ok, muitas vezes não será um encontro tão prazeroso. Mas se aconteceu é porque é necessário. Antes tarde do que nunca. Antes cedo do que tarde. Cresça e deixe de manhas. Olhe o que tem que ser olhado. Pague as contas, arrume a cama, lave a louça. Fora e dentro.

E pra finalizar vai de brinde um pulo do gato. Se você vem se deparando com situações muito tristes, muito trágicas, muito traumáticas, mais do que agradecer ao outro, você deve considerar libertá-lo*. Porque se olharmos pra essas questões, por livre e espontânea vontade, com leveza e honestidade, de forma adulta e madura, elas poderão ser mobilizadas, trabalhadas e resolvidas, sem a necessidade de encontros dolorosos.

As tragédias são necessárias quando precisamos demais olhar pra determinada questão e não o fazemos de forma espontânea. É um vulcão em erupção, você não tem como não notar, não tem como deixar pra depois. A crise chegou a tal ponto que explode.

O livre arbítrio é justamente escolher olhar pra questão antes que ela exploda. A questão está lá, você pode olhá-la ou não. Mas tem um prazo pra isso. Um prazo biológico, um prazo fisiológico. Também não dá pra antecipar as coisas, mas você pode ir digerindo aos poucos, entendendo num tempo agradável. E então as tragédias serão desnecessárias.


*sobre "libertar o outro" preciso fazer um ressalva. Não é que o outro seja seu prisioneiro, jamais. Seria libertá-lo de ser pra você essa pessoa que te mostra as questões que você tem que trabalhar. Aquele chefe muito chato, por exemplo. Não é mudando de chefe que você vai resolver a história. É resolvendo a história que você vai mudar de chefe! Mesmo que continue com a mesma pessoa como chefe, mas você verá essa pessoa de uma forma diferente e não vai mais ficar falando (ou sentindo) que ele é um chato. Entendeu a coisa de libertar o outro? Isso funciona em escalas mais globais também. Até quando precisaremos de histórias de violência pra lidarmos com a violência e a opressão que existem dentro da gente? Você pode até dizer "ah, mas essas histórias sempre existirão!", pode ser, mas aí a questão é como a história te afeta. Em outros tempos já sofri DEMAIS ao simplesmente ouvir histórias violentas, ficava mal mesmo. Hoje em dia consigo colocá-las numa outra perspectiva. Não porque meu coração tenha se endurecido, pelo contrário: porque ele se expandiu! À luz do amor, aquele de verdade, incondicional, vamos além das culpas, dos julgamentos e das condenações... de si e do outro.



quinta-feira, 26 de maio de 2016

Aos fracassados e perdedores em geral

Essa semana, após uma desilusão amorosa (explico no final), fiz um desabafo no facebook onde pedi:

"Conte-me dos seus fracassos
Quero saber daqueles projetos incríveis que nunca saíram do papel (ou da cabeça...)
Ou então aqueles que foram pra prática, mas deram um prejuízo enorme
Ou foram um fiasco
To meio cansada de ´cases de sucesso´ "

A postagem fez um relativo sucesso e os comentários me ajudaram muito a colocar em perspectiva essa dualidade sucesso x fracasso.

Primeiro que já venho aprendendo há um tempo que a dualidade é ilusória e um caminho para o sofrimento. As coisas são o que são. Quando tentamos compará-las criamos dualidades. E nem ao menos nos damos conta de que as comparações são impossíveis! Em matéria de natureza humana, ou melhor, em matéria de Vida, nada é comparável. Cada ser é único. E cada um de nós é único em seu momento, ou seja, mesmo a comparação de nós com nós mesmos (como eu era, como eu quero ser), é absolutamente sem sentido.

Então se deixarmos de lado as comparações, o que é sucesso? O que é fracasso? Sucesso seria um estado de alegria e bem estar, enquanto que qualquer outro seria fracasso? Pois vou contar outra coisa que tenho aprendido: assim como os sabores doce, azedo, salgado, amargo, são naturais e cada um tem suas particularidades, os estados de espírito, os sentimentos, também são naturais e cada um tem seu momento. Alegria, tristeza, medo, raiva. Fazem parte da natureza, fazem parte de nós.

Antes de prosseguir, mais um aprendizado básico de como a Vida funciona: a Vida é impermanente. Como sabiamente dizia minha avó, "não há bem que sempre dure, nem mal que não se acabe". Ao conhecer essa Lei básica da Vida, paramos de nos cobrar estabilidade e nos possibilitamos viver os fluxos naturais, a corredeira da Vida, que contorna pedras, mas que também as fura; que salta abismos e que se aquieta em remansos.

Sendo assim, não faz sentido querer um estado permanente de alegria. Na verdade, quanto mais queremos a tal da alegria, enquanto estado único e estável, mais nos damos conta de que isso não é possível e assim acabamos por vivenciar tristeza, medo, raiva...

E então outro conhecimento básico de como a Vida funciona (estou quase montando uma enciclopédia!): o veneno pode ser seu próprio antídoto! A tristeza vai nos dizer o que há pra ser vivido na tristeza; o medo vai nos dizer o que há pra ser vivido no medo; e a raiva vai nos dizer o que há pra ser vivido na raiva. Precisa só de um pouco de consciência, um pouco de auto-observação.

Mas a tristeza, a raiva e o medo não aparecem só quando forçamos a barra pra manter a alegria. Eles VÃO aparecer, por mais que você faça "tudo certinho" em matéria de saber viver. É como as estações do ano, é como os ciclos de nascimento-vida-morte, é fisiológico. Não sei se (oh, algo que não sei!) há uma ciclicidade na alternância dos sentimentos. Não sei se existem ciclos gerais (gerações, culturas, posição social, gênero?) ou ciclos pessoais, mas desconfio que existam todos e que esse entrelaçamento resulte em algo tão complexo que não vale nem a pena tentar entender e prever. Melhor sentir.

Enfim, tudo isso pra dizer que ao ler cada comentário dos fracassados assumidos que atenderam meu chamado, eu ia pensando o quanto cada uma daquelas pessoas era especial, o quanto tinham superado seus fracassos, ou o quanto talvez estivessem sofrendo desnecessariamente por eles (pretensão minha, mas pensei); eu ia sentindo uma vontade tão grande de conversar com cada uma delas, de ouvi-las, de dar meus conselhos (mais uma pretensão, rs...) e oferecer meu ombro amigo.

E aí me vi em todas aquelas pessoas e fui percebendo como sou especial (todos somos!!!), como já superei tantos "fracassos", como sofri e sofro "desnecessariamente" por eles. E conversei comigo mesma, me ouvi, me dei uns conselhos e me confortei.

Contar tudo isso é uma forma de agradecer a todos que conseguem abrir seus corações, baixar as guardas e ajudar a construir relações mais verdadeiras, mais humanas, mais Vivas.



* sobre a tal "desilusão amorosa", refere-se a um grupo que venho tentando arrebanhar aqui em Bragança, um sonho comunitário, uma vontade de construir junto novas formas de viver, de cuidar dos filhos, de cuidar uns dos outros. As coisas não tem acontecido como eu queria e isso é um sinal clássico de fracasso, rs... chateia um pouco, mas só enquanto estou na ilusão das dualidades, dos ideais, dos egoísmos. Quando entro em contato com uma consciência mais ampliada, com a auto-observação, consigo enxergar a maravilha de tudo! Se você que está lendo é uma das pessoas que esteve ou está comigo, não se preocupe. Tudo é lindo, tudo é perfeito. MESMO!